Mau grado o impacto das multinacionais agro-alimentares, que criaram uma nova geração de consumidores, à força de bifes, bitoques, «fast-food», falsos mariscos, produtos lácteos bífidos e uma infinidade de produtos sucedâneos, inventados pela engenharia alimentar, a cozinha tradicional/regional, volta a ocupar lugar se não nas nossas mesas, pelo menos nas nossas cabeças, porque o prazer voltou à mesa, instalou-se e a vontade de boa comida reapareceu depois de anos de privação.

O primeiro momento de independência do novo apreciador, foi a tentativa de regressar aos sabores da infância, feita com forte dose de paixão e um sólido sentido de memória.
A cozinha regional está na moda, intimamente ligada aos afectos e à cultura. À falta de uma cozinha tradicional, que satisfaça a procura do consumidor, convoca produtos que trazem sabores de reencontro, sendo os mais representativos os Enchidos os Queijos e os Doces.
Com estes produtos típicos de cada região, viaja a memória do que se procura: «Pastagens verdes, onde pastam ovelhas e cabras; ruídos de chocalhos; brenhas que dão cardos para coalho; caniços onde o queijo repousa; alaridos de matanças; alguidares de carnes para encher; paus na chaminé, para fumagem dos enchidos e tachos onde colheres de pau, obrigam o açúcar, as amêndoas e os ovos a uniões felizes.»
Apaixonadamente agarrados a um passado, procuramos os sabores tradicionais, embora sabendo que estamos envolvidos em elaboradas mentiras, porque o sabor da memória, mesmo reencontrado, está isolado do cenário que essa mesma memória guarda. O tempo e a distância favorecem o sonho.
Sem pretensões de especialista na matéria, nesta época em que mandamos as dietas para as urtigas, enumeram-se, com explicações sintéticas, as delicias gastronómicas mais conhecidas, começando pelos Enchidos:
– BUCHO – É típico da Beira Alta. Em Trás-os-Montes dá-se-lhe o nome de Butelo. É composto por diversas carnes de porco, incluindo por vezes uma certa quantia de ossos tenros, o que confere ao bucho um sabor muito especial. Em algumas regiões pode incluir ainda arroz e pão, sendo o tempero essencial conseguido pela vinha de alhos e é utilizada a bexiga ou a tripa larga do porco, para acondicionar os componentes. Se for fumado pode ser consumido algum tempo depois da confecção.
Uma variante ao Bucho que é exclusiva da Beira-Baixa é o Maranho, em que a matéria-prima é o cabrito ou o borrego. As carnes são ligadas com arroz, juntando-se salpicão, presunto, toucinho, tudo temperado com alhos, cebola, vinho, azeite, salsa e hortelã. Como não são fumados, os maranhos devem ser consumidos, imediatamente após a confecção;
– MORCELA – A mais conhecida é a morcela da Guarda. O elemento de ligação dos pedaços de entremeada, usado neste enchido é o sangue de porco, que lhe confere a consistência e a coloração escura. O cravinho e os cominhos, fazem parte dos temperos utilizados, geralmente servida frita ou cozida ou apenas escaldada, acompanhada com grelos cozidos e outros legumes.
Há também a chamada morcela de arroz. É típica da região de Leiria e que se faz na altura da matança. O sangue fresco do porco é temperado com sal e pimenta e diluído com vinagre e vinho tinto. Junta-se carne entremeada de porco, alho, cebola, salsa, cominhos e cravinho e deixa-se marinar, durante cerca de oito horas. O arroz cozido à parte e escorrido, é adicionado ao preparado. Enchem-se as tripas depois de muito bem lavadas e esfregadas com limão. Podem ser servidas após leve cozedura em água temperada com sal louro e cebola;
– CHOURIÇA – A confecção das chouriças/chouriços, tornou-se quase uma arte, sendo sem dúvida, os enchidos mais populares em todo o país, apresentando técnicas de preparação e designações bem diferentes de região para região. Os mais conhecidos são a Chouriça de Vinhais, onde se realiza anualmente uma Feira de Fumeiro muito concorrida.
Os cuidados não se prendem apenas com a escolha das carnes (lombo, lombinho, cachaço, entremeada e aparas) e com a adouba, que dura quatro dias, mas também com a alimentação dada ao porco, alimentado só com grão, beterraba e abóbora. O chouriço ou chouriça passa a ser Linguiça no Alentejo e os produtos sofrem um longo período de maturação por não utilização de fumeiro.
– OUTROS ENCHIDOS – Além dos mencionados podem referir-se o chouriço de mel, o presunto, as alheiras, o salpicão e a cacholeira.
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«Terras entre o Côa e a Raia», opinião de José Morgado
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