No próximo dia 25 de Dezembro, de novo, os Cristãos celebram mais um ano do nascimento de Jesus Cristo. A data, porém, ultrapassou desde há muito o seu significado primordial, para se tornar um tempo de convivência fraterna e de amor universal, em que se pensa um pouco mais nos outros do que em nós próprios, em que procuramos sentir mais prazer em dar do que em receber.

Todos sabemos que, frequentemente, tudo isso não passa de boa intenção tranquilizadora, de um ritual ciclicamente repetido, de tradição social. Tirando as crianças muito pequenas, só os poetas continuam a acreditar que o Menino Jesus ou o Pai Natal põem prendas nos sapatinhos de todos os homens. Os cépticos e desiludidos sabem que boa parte dos homens da Terra nem sapatinho têm. Aceitemos, no entanto, aquilo que de bom o Natal nos traz: a breve ilusão da concórdia, da paz, da fraternidade e da tolerância no seio da humanidade. Paz no Afeganistão aos homens de boa vontade. E no Iraque. E na Somália. E na Palestina. E…
Mas teria Cristo nascido efectivamente no dia 25 de Dezembro de há 2009 anos?
Segundo as fontes cristãs (em particular os Evangelhos) e não cristãs (sobretudo Flávio Josefo), Jesus Cristo nasceu no tempo de Octávio César Augusto, na província romana da Judeia. Os Evangelhos nada dizem sobre a data do nascimento de Jesus. O ano 1 da nossa era apenas foi fixado no século VI, no tempo do imperador bizantino Justiniano, por um monge de nome Dionísio, o Exíguo (o Humilde). Dionísio colocou o nascimento de Cristo no ano 753-754 da fundação de Roma (calendário romano). Tomou como ponto de referência o recenseamento geral da população do Império ordenado por César Augusto naquela data. Porém, tudo leva a supor que o monge se tenha enganado. O imperador Augusto ordenou dois recenseamentos, separados por 4 anos. Jesus parece ter nascido na altura da primeira contagem e não da segunda, como supôs Dionísio. Isso significa que, paradoxalmente, «Cristo nasceu em 4 antes de Cristo». Ou seja, deveríamos estar hoje no ano de 2013 da era do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e não em 2009. Aqueles que temiam o fim do mundo no ano 2000, provavelmente não sabiam que já estavam em 2004; e o «fim do Mundo» dos Maias, anunciado para 2012, deveria ter acontecido no ano passado!
Aliás, toda esta questão das eras e calendários constitui uma boa embrulhada. Conforme já atrás ficou dito, os Romanos contavam os anos a partir da data hipotética da fundação de Roma, em 753 a.C. Antes de Júlio César, o ano iniciava-se em 1 de Março – daí o facto de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro serem, em latim, September, October, November e December, os meses números sete, oito, nove e dez. A reforma do calendário feita por Júlio César é que fez começar o ano em 1 de Janeiro. O próprio Júlio César viria a ser homenageado com o nome de um mês do ano (Julius, Julho), o mesmo acontecendo depois com Octávio César (Augustus, Agosto).
Por sua vez, os Gregos, contavam os seus anos a partir da celebração dos primeiros Jogos Olímpicos, em 776 a.C.
Finalmente, a era islâmica toma a data da Hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina, em 622 da era cristã), como ano 1.
Voltando ao Natal. Se o ano do nascimento de Cristo é controverso, o dia e o mês ainda o são mais. Isso não preocupou os evangelistas, porque a data mais importante para eles não era a do nascimento mas a da morte e ressurreição do Messias. Os primeiros bispos cristãos mostraram-se indecisos quanto ao dia do nascimento do Salvador. Até ao século IV foram propostas para o Natal as datas de 25 e 28 de Março, 2 e 19 de Abril, sendo esta última considerada a mais provável. A cena evangélica dos pastores ao relento fazia pensar mais na Primavera que no Inverno.
A escolha de 25 de Dezembro remonta à época de Constantino (começos do século IV) e está relacionada com a tradicional teologia solar. O dia 25 de Dezembro coincidia com o solstício do Inverno no calendário romano e era comemorado desde há muito como a festa do Sol. Deste modo, a Igreja não teve dificuldade em fazer aceitar como sua esta celebração pagã, muito popular por todo o mundo mediterrânico. Esta tornar-se-ia, aliás, uma prática habitual do Cristianismo primitivo.
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«Na Raia da Memória», crónica de Adérito Tavares
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Dezembro de 2009.)
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Perfeitamente identificada! 🙂
Tenho a certeza de que vou apreciar de igual forma as próximas crónicas.
Beijinhos e bom fim-de-semana!
Zé
Também fiquei muito agradada com esta surpresa. Seja bem-vindo! Gostei particularmente desta postagem sobre o Natal, filtrada por uma visão de um homem da História. Obrigada ao Capeia e ao Professor!
Beijinhos e boas postagens!
Zé (Almada e Aldeia do Bispo)
Obrigado pelas suas palavras amáveis, Maria José (para mim, a Zezinha, desde criança, nos tempos em que também eu era almadense). Espero que as próximas crónicas também lhe agradem.
Bjs.
Adérito Tavares
Exactamente assim. Uma memória mais viva que a minha.
Retribuo abraço
Este Capeia Arraiana não pára de nos surpreender.
Desta vez, é esta brilhante aquisição com quem eu contactei nos já remotos e saudosos anos 83/85, durante o meu estágio profissional na Escola Secundária de Cascais.
Co-autor, com Arlindo Caldeira e Maria Emília Diniz, se não da maior parte dos manuais de História do ensino secundário, de certeza daqueles que eu sempre considerei serem os melhores manuais da disciplina para o 3.º ciclo do ensino básico (no tempo em que ainda se ensinava alguma coisa de História, neste nível de formação), que eu guardo religiosamente e a que ainda recorro para esclarecer algumas dúvidas, autor da “maior referência bibliográfica acerca da tourada com forcão” qual ex-libris das “terras raianas do concelho do Sabugal”, brinda-nos agora com uma interessante e oportuna entrevista, seguida desta didáctica reflexão sobre o problema do registo da contagem do tempo.
Saúdo-o e prometo cá estar para continuar a saber como se pode crescer saudavelmente num país e num tempo de dificuldades.
Caríssimo António
Lembro-me muito bem dos tempos do seu estágio (que então se chamava, e bem, “profissionalização em exercício”), na Escola Secundária de Cascais, onde eu fui fazer algumas sessões de formação a convite da minha amiga Arminda Covita. Creio até, se não estou em erro, ter comido uma excelente couvada de bacalhau em sua casa. Não foi?
Obrigado pelos seus elogios, que levo à conta de amizade e “arraianismo”.
Quanto aos manuais escolares para o 3.º ciclo do Ensino Básico, eles continuam por aí, em bom número de escolas, obviamente actualizados.
Continuarei por uns tempos a colaborar, com muito gosto, no “Capeia Arraiana”, a convite do José Carlos Lages, com despretensiosas crónicas que procurarão entrelaçar passado e presente.
Um abraço.
Adérito Tavares
Bem-vindo prof. Adérito. É com satisfação que se vê na “Capeia” pessoas com a sua qualidade. Um abraço arraiano e fraterno.