A presença de uma comunidade judaica no Sabugal está documentada (pelo menos) desde o início do século XIV. Os reconhecidos estudos medievais da historiadora Maria José Ferro Tavares incluem a comuna judaica do Sabugal entre as três dezenas que identificou para o período de 1279-1383, tendo confirmado documentalmente a sua existência em 1316, através de uma dívida dos judeus do Sabugal ao rei D. Dinis em 16 de Agosto desse ano.
QUADRO 1 – CRISTÃOS-NOVOS E CRISTÃO-VELHOS | |||
N.º DE PROCESSOS | CRISTÃOS-NOVOS | CRISTÃOS-VELHOS | DESCONHECIDOS |
143 | 102 (71,3%) | 15 (10,4%) | 26 (18,3%) |
QUADRO 2 – TOTAL DE ACUSAÇÕES – 143 PROCESSOS | |||||
JUDAÍSMO | BLASFÉMIA | HERESIA | BIGAMIA | VISÕES | OUTRAS |
116 (81,1%) | 5 (3,4%) | 5 (3,4%) | 4 (2,7%) | 2 (1,3%) | 11 (8,1%) |
QUADRO 3 – ACUSAÇÕES DE CRISTÃOS-NOVOS | ||
N.º DE PROCESSOS | JUDAÍSMO | OUTRAS |
102 | 97 (95%) | 5 (5%) |
Mas a comunidade judaica do Sabugal manteve-se até ao final do século XV. Com efeito, a menos de um ano da expulsão dos judeus, que D. Manuel I decretou em Dezembro de 1496, também há prova documental da persistência da judiaria do Sabugal, como o atesta uma carta de D. Manuel datada de 12 de Janeiro de 1496.
O resto da infeliz história dos judeus portugueses dessa época é conhecido: depois do decreto de expulsão de 1496, seguiu-se o baptismo forçado de 1497, com a consequente proibição do judaísmo e a destruição das comunidades judaicas de todo o reino, sobretudo a partir da introdução da Inquisição, que existiu legalmente entre 1536 e 1821.
Mas, se desapareceram as comunidades judaicas, não aconteceu o mesmo ao judaísmo que, de forma secreta ou disfarçada, sobreviveu a quase três séculos de acção criminosa dos tribunais da Inquisição de Lisboa, Évora e Coimbra (e Goa, na Índia). De entre os cerca de 45.000 processos das Inquisições, existentes na Torre do Tombo, alguns narram a resistência dos judeus do Sabugal. Por isso, fomos à procura deles e encontrámos 143 processos relativos a pessoas que viviam ou/e haviam nascido no actual território do concelho do Sabugal quando foram parar aos cárceres do Santo Ofício.
A partir de hoje, daremos aqui, no Capeia Arraiana, conta dos resultados preliminares da análise desses processos. A primeira conclusão que podemos tirar é que, dos 143 processos, 102 foram identificados como cristãos-novos (descendentes de judeus), representando 71,3%, enquanto apenas 15 se referem a cristãos-velhos (descendentes de cristãos) e representam 10,4%. Se tivermos em conta que 26 processos (18,3%) não identificam o estatuto social dos réus, restam-nos 127 processos com estatuto social conhecido, aumentando para 80% a percentagem de cristãos-novos contra 20% de cristãos-velhos. Em consequência, podemos concluir que os judeus eram a vítima predilecta dos inquisidores.
Continuando a analisar os processos do Sabugal, temos 116 (81,1%) acusados de judaísmo, 5 (3,4%) acusados de blasfémia, 5 acusados de heresia (3,4%), 4 acusados de bigamia (2,7%), 2 acusados de visões (1,3%) e 11 (8,1%) julgados por várias acusações, com 1 processo cada um: sacrilégio, luteranismo, sodomia, perjúrio, pacto com o demónio, impedimento do ministério do Santo Ofício, violação de Ordens religiosas, abuso da função de padre, feitiçaria, intitular-se abusivamente oficial da Inquisição e molinismo (seita religiosa).
Finalmente, dos 102 processos a cristãos-novos, 97 (95%) foram acusados da prática da religião judaica. Os restantes 5 (5%) foram acusados de blasfémia, bigamia, heresia, de impedir o ministério do Santo Ofício e violação de Ordens religiosas. Também se pode concluir que a acusação de judaísmo era esmagadoramente maioritária.
Em suma: a Inquisição foi, efectivamente, introduzida em Portugal para perseguir os judeus e o judaísmo e o caso do Sabugal confirma plenamente essa tese.
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«Na rota dos judeus do Sabugal», crónica de Jorge Martins
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O sabugalense por adopção, professor Jorge Martins, dá início este sábado, às 18 horas, às suas crónicas semanais «Na Rota dos Judeus do Sabugal» sobre as investigações que tem feito em arquivos como, por exemplo, a Torre do Tombo, sobre a comunidade judaica da região raiana do Sabugal. Bem-vindo e bem-haja pela sua disponibilidade.
jcl e plb
Oh Sé Nova Oh Sé Nova
Aos teus pes está um museu
Tem lá um bruto dentro
Que parece um judeu!
Caro Carlos Raia.
Seria interessante identificar a autoria, o local e a data dessa quadra antijudaica. Era costume da Inquisição enviar os sambenitos (túnicas) que os réus levavam vestidos, muitas vezes com o seu retrato pintado, para as igrejas da residência dos condenados (sobretudo os queimados nas fogueiras), para atemorizar a população local.
Impressionante.
DICIONÀRIO DO JUDAÌSMO
A editorial Presença ,publicou a 1ª edição do dicionário em titulo.Tem por objecto reunir e divulgar de forma sintética o conhecimento actual sobre a presença judaica em Portugal e dos judeus de origem portuguesa, desde o Século V.
Contem artigos de mais de sessenta especialistas, alguns que investigaram o assunto, durante decadas, tendo o dicionário sido iniciado há mais de oito anos atrás.
A obra é coordenada por Lúcia e Esther Mucznik,Elvira Azevedo Mea e José da Silva Tavim.
JÀ é uma obra de referência e de consulta obrigatória na área dos estudos judaicos em Portugal.