A única coisa boa que a crise nos trouxe é a necessária reflexão sobre as suas causas e a forma de as eliminar. São por certo muitos os aspectos da nossa vida colectiva que deveriam ser analisados, desde os financeiros aos do mundo laboral, da política de saúde à justiça, passando pela economia. Em minha opinião, há um detalhe que parece ser transversal a todos, ou quase todos: o ter-se esticado a corda em demasia, a favor da economia não produtiva ou virtual. Não valerá a pena debruçarmo-nos sobre cada um deles, para tal não chegaria este artigo – e os leitores não gostam de artigos extensos.

Foquemos apenas um ou dois sectores. O da construção civil, por exemplo, cujas regras se alteraram radicalmente em pouco mais de dez anos, com os custos de concepção, de certificação e de licenciamento a dispararem exponencialmente. Além do muito que já era obrigatório, de um momento para o outro, passou a exigir-se, alvará de empreiteiro para levantar licença, termo de responsabilidade técnica – até para uma simples remodelação –, projecto de AVAC, projecto de rede de gás – até onde não há abastecimento –, certificação energética, projecto e avaliação acústica.
Como de costume passou-se do oito ao 80. Em minha modesta opinião, a origem do mal está em ouvir-se, na feitura das regras, apenas uma parte, está-se a ver, a ordem dos engenheiros. O resultado não podia ser pior, mesmo para os engenheiros: já que não havendo obras não são precisos projectos!
As descomunais exigências para se abrir qualquer pequeno negócio ou fabriqueta, são outro exemplo. Desde logo, aplica-se aqui tudo o que atrás se referiu, acrescentando-se um rol de outras obrigações dispendiosas como o HCCP, a Higiene, saúde e Segurança no Trabalho, os seguros, a segurança social, as exigências ambientais, as certificações e formações, a contabilidade organizada, os registos vários da empresa, do empresário e do estabelecimento, as declarações para as finanças, e não ficaríamos por aqui. Nem é preciso falar das multas, sempre agravadas para as entidades colectivas. Mais uma vez passamos do 8 ao 80 em pouco tempo. Não se duvida das vantagens de haver regras na actividade económica. Duvidamos, isso sim da necessidade de tais exageros e da aplicação da chapa 5 para o grande e para o pequeno, para o casino de Lisboa e para a Ginjinha. O resultado é, mais uma vez, desastroso: fecha-se a porta que é mais barato!
Por isso a nossa economia tarda em recuperar e, segundo as previsões do FMI, continuará «anémica» por mais um ano ou dois. É bom lembrar que a nossa crise até já vinha de trás, do tempo do «pântano» e do «discurso da tanga».
A tal economia virtual, porém, continuou a cresceu a olhos vistos, proliferaram empresas de consultadoria, pejadas de técnicos engravatados, prontos a vender com «chave na mão» as soluções que a lei impõe. Este tipo de negócio é fácil de implementar. Sem grandes exigências da lei, cria-se a empresa hoje e no dia seguinte estará a facturar.
Mas também aqui, esticada a corda até ao limite, ela acabará por partir, com prejuízos óbvios para todas as partes. É que a economia virtual só subsiste parasitando a economia produtiva: alguém tem de trabalhar! Mas, dizem os empresários que produzir não compensa, nem mesmo com os muitos incentivos ao investimento, porque, afinal, tudo vai parar à «inovação», à «criatividade», ou seja, às mãos dos consultores. É que nas dificílimas e exigentes candidaturas aos fundos comunitários, a parte de leão vai para os experts da tal economia virtual, não admirando que o país continue anémico, a definhar, espartilhado numa teia legislativa da qual não se consegue libertar.
Concordamos com Manuel Alegre: é preciso combater o excesso de regulamentação, sob pena de um dia destes também nos proibirem a Jeropiga ou o Bucho Raiano!
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«Terras do Lince», opinião de António Cabanas
(Vice-Presidente da Câmara Municipal de Penamacor.)
Tudo muito bem. Resta saber quem é que vai descomplexar a máquina do sistema. Candidatos até podem existir muitos; gente com vontade ainda mais, agora resta vencer os donos do sistema (Ordens, Maçonarias, lobbies financeiros,… e muitos mais). Neste ponto o poder político é quem tem a menor culpa, pois nem é ele que decide. É tudo uma fantochada, pois publicam-se leis e nem sequer são cumpridas. Como foi referido no post foi implementada a certificação energética nos edifícios, agora resta saber quantos cartórios notariais estão a exigir a certificação energética para os actos de venda ou arrendamento? A resposta é: Poucas. Não está especificado na Lei? Claro que sim, mas ninguém cumpre. Estamos no país do “parecer bem ter”, mas “não parece bem implementar”. É à vontade do freguês.
Nas escrituras estão a exigir a certificação energetica, porque é requisito legal, tal como a licença de habitabilidade. Não descortino como são as ordens, a maçonaria, os lobies, etc. os donos do sistema. O dono do sistema, toda a gente sabe, é a partidocracia, que promove a curruptela, o enriquecimento ilicito, a incompetência e a irresponsabilidade. Leis por cumprir sempre houve e haverá. Para fazer cumprir a lei existem os tribunais e as forças da ordem. O problema é que a partidocracia não quer o funcionamento dos tribunais, nem da policia de investigação criminal… para continuar a curruptela, o enriquecimeto ilícito, a incompetência e a irresponsabilidade. O que isto precisava era uma boa barrela à antiga, a que ninguém se atreve!
Em tempo; aliás, com o devido respeito, o seu comentário é bem “naif”.
Muito pertinente António Cabanas.
Quando há cinco anos atrás fiz uma candidatura ao Leader + com vista à reestruturação o meu pequeno negócio, deparei-me com as situações mais absurdas em boa medida aqui descritas pelo Cabanas. Mas três situações perduram na minha memória. 1ª- Os arquitectos não sabiam qual a legislação aplicável, diga-se de passagem que ela foi alterada por diversas vezes enquanto durou a fase de implementação do projecto. 2ª- Fui obrigado (contra a minha vontade) a instalar uma caixa central (com múltiplas derivações) para recepção de sinal telefónico que me custou uma pequena fortuna, e para quê? Para nada porque lá continua como no primeiro dia. A terceira situação curiosa revela-se no nosso governo, que cobra impostos de forma encapotada a fundos provenientes de Bruxelas e com os quais ele tem uma mera relação de expediente. Ou seja, quando uma parte da verba (que corresponde a fundos comunitários) é atribuída a uma empresa por via do governo, este automaticamente cadastra a dita verba como se nele próprio tivesse origem. Está claro que na hora de calcular o IRS essas coisas pagam-se.
Mas felizmente, com o novo Agrupamento de Cooperação Transfronteiriça, as verbas provenientes de Bruxelas irão directamente para onde fazem falta, sem passar pelas mãozinhas de luva dos nossos governados governantes…
São muito “criativos”… Ou vamos directamente buscar a ” massa” a Bruxelas, ou ela fica em Lisboa e no Litoral. Ao Sabugal chegam as migalhas.