Há já alguns anos que a nossa jovem amiga fojeira Petra Fernandes se encontra em S. Tomé e Príncipe como professora cooperante. O seu entusiasmo por aquelas terras e aquelas gentes era bem visível nas conversas que teve comigo quando vinha passar as férias a Portugal. Contagiou-me e resolvi fazer-lhe uma visita. Fui acompanhada da mãe da Petra (como seria de esperar) e da professora Natália.
A reforma da estrutura fundiária, nas zonas de minifúndio, terá obrigatoriamente que ser feita para o bom aproveitamento da agricultura e da floresta. Essa reforma terá forçosamente de incluir mudanças que tornem mais fácil o emparcelamento da propriedade rústica de pequena dimensão. O alcance de eventuais medidas de apoio ao emparcelamento seria bem maior do que a simples distribuição dos enganadores subsídios.

Manuel Leal Freire é o melhor conhecedor das histórias de sabor raiano. Conhece as tradições, aprecia os gostos gastronómicos e preza a virtude pelo trabalho que caracteriza o povo da raia sabugalense.
Ele mesmo homem do povo, adora movimentar-se no ambiente aldeão, onde encontra o campo predilecto para as suas investidas literárias. Conhecido advogado e escritor, nascido na Bismula, concelho do Sabugal, é um dos grandes mestres do saber popular. Seja na narrativa ou na poesia, há na sua escrita um intenso sabor rural, vindo do âmago da vida do povo, que canta com funda dedicação.
Enquanto jovem examinou as tradições de antanho, conviveu com o povo simples, conheceu as agruras da sua vida, participou em festas e arraias, acompanhou as romarias e embrenhou-se nas fartas pândegas, onde se convivia e comia à tripa forra. Sabe como ninguém o que era a animação dos convivas que se juntavam à roda de um petisco e duma pipa de vinho. Da sua narrativa, de estilo solto, navegando sempre nas vagas da ironia e no humor, saíram inúmeras descrições de patuscadas populares, onde a alegria e a emoção se tornam rainhas.
A prosa de Leal Freire tem o condão de cativar o leitor, nutrindo nele simpatia pelas personagens que descreve e as acções em que estão envolvidas. Cada quadro etnográfico tem os seus paladares, numa sistemática exaltação à gastronomia popular.
Vejamos um exemplo retirado do seu livro «Ribacôa em Contra Luz», que é uma colecção de memórias dos tempos de antigamente, quando o contrabando e a lavoura eram as formas de viver do povo da raia.
A dado ponto descreve uma pândega em Poço Velho, aldeia da primeira linha de fronteira, em tempos idos apetrechada por duas guarnições da Guarda Fiscal, pois era ali forte o apelo ao contrabando. Um jovem pastor entra na taberna, onde se encontra o amo a beberricar numa roda de amigos. «Patrão, sem querer parti a pata do carneiro grande», declarou em voz alta. As palavras do zagal encolerizaram o dono do gado, que irrompeu numa onda de impropérios. Porém a clientela, incluídos os guardas-fiscais que ali tomavam um trago, conseguem conduzir a situação para o melhor campo, contando inclusive com o apoio da tasqueira: o pastor que fosse ao bardo, acabasse com o carneiro e o trouxesse para ali, onde depressa se amanharia para uma boa patuscada.
«E logo ali se combina almoço, jantar e ceia, que, se o carneiro não chegar, há um oferece o queijo, outro uma chouriça (ou um cambulhão delas), outro um naco de lombo, outro dois coelhos bravos ou até dois galos (porque, constava-se, vem aí a morrinha, e vale mais comê-los sãos)…
O entusiasmo substitui a ira e o temor. Pândega graúda requer a presença dos amigos todos. Vai estafeta ao posto de lá prezar a guarnição e levar um toca dentes ao plantão que, coitado, porque de sentinela, não pode largar o posto. Depois, para guardas e famílias, para alguns amos do negócio e consortes, vai ser uma jornada de arrebenta estômagos e fígados.
Deixá-lo, comer e beber até rebentar; depois, jejuar.»
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
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