Paulo Bravio é o pseudónimo literário de um ilustre beirão, natural de Vila Nova de Tazem, terra serrana de arreigadas tradições populares. O seu livro «Contos da Aldeia» é uma ode ao pictorismo, tal a intensidade do sabor popular que dele emana.
Cada conto é um quadro vivo de um povo sabedor e sofredor, que na humildade que o caracteriza encontra campo para a coragem e a bravura da vida. Mas na aldeia serrana impera a privação, porque poucas eram as casas de abastança. A pobreza era a regra a que todos se sujeitavam, improvisando para superarem as contrariedades. Mas é um povo com alma, nele predominando a coragem e a abnegação. Descrevendo as agruras da vida desta plebe austera, o autor encontrou campo aberto para registar quadros sublimes que nos dão conta da grandiosidade da gente heróica que, feliz e contente, enfrenta as contrariedades da vida.
Nas cenas gastronómicas, com que por vezes pincela as narrativas, Paulo Bravio realça sempre a comida parca do povo, resultado de extremas privações, numa pobreza confrangedora. Mas o paladar que se sente, ou se adivinha, dessas comidas simples, é de grandiosa intensidade. As mãos calejadas das camponesas que, numa interrupção fugaz das fainas agrícolas, se agarravam à faca de cortar os alimentos e à colher dos remexer na panela de ferro encostada ao lume, faziam milagres dignos de nota, pois dali saiam sabores divinais. A comida do povo bem podia ir à mesa dos aristocratas, que melhor ficariam satisfeitos do que com os pratos de requinte e de aparência que costumam emborcar.
Vejamos, num excerto, o cerimonial do pobre quando degusta a malga de caldo:
«A mulher tirara da cantareira as tigelas de cavalinho e foi enchendo e distribuindo. À masseira fora buscar a boroa, e cada qual migara o seu naco. Soprando iam sorvendo o caldo que fumegava apetitoso. Para arrostar com as agruras da vida era preciso cuidar da subsistência do corpo, pois da alma trataria Deus Nosso Senhor. Cada um trata de si e Deus cuida de todos, ensina a filosofia popular.
Absortos engorgitavam o caldo, em silencio, apenas entrecortado por sorvos cavos e pelo estreloiçar da ferramenta a esvaziar as malgas.»
E agora, em nova citação, vejamos o empenho e o desembaraço com que a mulher prepara a refeição de todos os dias:
«A tia Josefa acelerava a ceia, esmigalhando com a colher de pau e o garfo de ferro as batatas que remoinhavam na panela de três pernas, onde, em seguida, enfiava as couves que temperava com gorgolejante golpe de azeite da almotolia.»
São quadros deslumbrantes da vida popular de outrora que vale ler e sobre eles meditar.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
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