Manuel Leal Freire publicou um novo livro, intitulado «Trovas de Escárnio em Vernáculo», que contém um conjunto de poesias populares reveladoras do espírito reinadio do nosso povo.
O povo, no seu linguajar prático e directo, usa o vernáculo. Significa isso que recorre a uma linguagem rude, pejada de expressões genuínas e incisivas, próprias de quem comunica no seio do seu grupo, ciente que é bem percebido por todos.
Ora o povo, nesse seu comunicar de uso corrente, quer ser claro e directo, sem evasivas nem preocupações de estilo. No falar vernáculo impera o palavrão e a asneira, que noutro contexto de comunicar faria corar o maior dos vilões.
Manuel Leal Freire, natural da Bismula, é o maior conhecedor das tradições populares das gentes raianas.
Embebido no saber antigo e nas vivências aldeãs, tem dado preciosos contributos para a divulgação da cultura popular, o que mais uma vez sucede com a recolha e publicação destas trovas de escárnio e maledicência.
O autor diz-nos que hesitou na decisão de publicar estas versalhadas hilariantes, mas decidiu confiá-las «ao exame de um comité de sábios», que afinal eram homens bons e seus verdadeiros amigos. «O juízo final, que não será tão isento como o do Vale de Josafá, pronunciou-se pela publicação, depois de se haver certificado em demorada leitura, entrecortada por momentos de hilariedade, de que nada havia de ofensivo para as convicções de qualquer pessoa, nos chorrilhos de disparates que atravessam a colectânea» – é desta forma que o autor da recolha se justifica perante o leitor, preparando-o para a leitura de muitas palavras de genuína expressão popular, que estão banidas da linguagem educada.
Cremos, tal como o autor, que o livro não ofende, porque não é esse o seu propósito, porquanto aqui deixamos dois pequenos poemas da colectânea, à laia de aperitivo:
Nem contrição nem atrição
(mas simples tristura pela falta de tesura)
No tempo em que eu comia e bebia e fumava e fodia
Toda a gente dizia que eu me perdia
Agora que não como, nem bebo, nem fumo, nem fodo
É que ando perdido de todo
Por isso
Hei-de voltar a comer e a beber a fumar e a foder
Pra toda a gente saber
Que quem come e bebe e fuma e fode é porque pode.
Quando
Quando os olhos cansam
E as pernas dançam
Quando as peles crescem
E os colhões descem
Quando o nariz pinga
E a piça minga
Não volte a dizer ainda
Que a missão é finda e bem finda.
O livrinho é edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Pode ser adquirido na Casa do Castelo, no Sabugal.
plb
Vale a pena ler-se o post no Sabugal Terrento, sobre o assunto. Soberba!