Naquele tempo…
A gente saía da escola, atravessava a ponte do matadouro,
poisava os bibes e as mochilas no muro do chafariz
– defronte ao comércio do senhor Melo – e com uma bola de jornais
bem atada com guita
… a gente fazia uma partida…
O Tó Fernando
Que era vizinho da Maria S. Pedro
E vivia no Largo do Chafariz
O Etelvino
Que morava numa casa muito estreita, a subir três andares em altura
Acima da farmácia do Braulio
Era o capitão
E chamava-nos das escadinhas do Luís «estofador»: Faraó; Cabito; venham!
Andou por esse mundo fora, esteve emigrado na Suíça
(casou agora aos quarenta e picos)
«Finalmente, assentou; trabalha na serração, quando se vai par a o campo da bola»
– informaram-me na antiga casa Anita.
O Aires «Pacharra» era o guarda-redes
(Quantos frangos, meu Deus!
Có có ró có! – gritava em delírio a malta a cada golo)
Morava à esquina da Igreja da Misericórdia,
Trabalhou na ‘Sotave» como o pai e depois emigrou
Dizem que nunca mais voltou
Depois que os pais morreram.
Mas eu lembro-me bem é do João «Pelado»
Sempre de calças a meia canela
Franzino na sua fome constante o João «Pelado»!
Havia também
O Zezinho «Pepe», o João do café Sky…
– Coitado do João do Sky!
Morreu afogado na Lagoa Escura
(uma congestão depois de almoço
num dia quente de Verão, há muitos anos);
– O Sérgio «Brasileiro» foi para Lisboa
E o «Passa e Anda», que uma vez encontrei no comboio,
Também lá ficou por Lisboa.
– E o Sérgio «Cariano»? Que é feito do Sérgio «Cariano»?
– Sei que foi para África do Sul, como empresário
Estive com ele há uns tempos mais o Luís Vinagre.
É verdade, e o Policarpo?
Que é feito, que é feito do Policarpo?
Aquele rapaz corpulento apertado num bibe curto,
Com braços de sobra, parecia um gigante!
Fujam… Fujam todos!
Quando ele pegava na bola era um carro de assalto
Naquelas botas cardadas de pastor da serra.
E o António? Que era pitosga
E vivia no Eiró?
Ninguém sabe do António.
Nunca mais! Nunca mais!
O tempo da minha feliz meninice, não volta mais!…
Que bons tempos, aqueles!
Que boa era a vida de gazeta aos trabalhos da escola, a nadar no rio nu,
a roubar a fruta na quinta dos Portugais,
a jogar o berlinde no jardim
A brincar aos soldadinhos na praça:
Alto! Meia volta, volver!
tinham sabor emocionante de aventura
as descidas do Eiró nos carinhos de rolamentos
fugindo aos guardas
– Que cagaçal por ali abaixo, até ao ensaio da «Banda Nova»!
…os muros dos quintais que pulávamos…
– Vamos fazer escolha; vamos medir!
…e a gente jogava uma partida…
Oh, como eu gostava!
Eu gostava de um dia destes
de voltar a fazer a medição com o Etelvino
– O Aires «Pacharra» perdeu-se nesse mundo de ninguém –
escolhia o Policarpo, o João de Deus, O João «Pelado», O Sérgio «Cariano»
o Zezinho «Pepe» e o Arlindo do Matos & Prata
e íamos fazer uma partida como antigamente!
Ah, como eu gostava…
Mas talvez um dia…
quando as cerejeiras do Jardim pintarem
quando as mimosas tingirem de amarelo a vertente do Vale de Leandres,
para lá da Casa do Guarda, até ao Poço do Inferno,
quando a sombra dos amieiros for mais agradável
no Açude de S. Gabriel
E as macieiras da quinta dos Portugais
Que agora são do Luizinho Melo, estiverem carregadas,
nos encontraremos como antigamente no Largo do Chafariz
talvez a gente poise despreocupadamente
o nosso saco cheio das amarguras da vida
no mesmo muro do chafariz
defronte ao comércio do senhor Melo,
e o meu pai assome de bivaque à janela do posto como antigamente
e a minha mãe atravesse o largo a caminho da horta de Santa Luzia
vamos então fazer um grande partida…
E depois
Vamos saltar o muro dos Portugais,
Para roubar maças
Como naquele tempo…
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«Arroz com Todos», opinião de João Valente
Parabéns pela narrativa. Que é feito de ti?
Um grande abraço enviado do lado de cá do canal atlântico. Até novas.
Por Leiria…
Manteigas…
chafariz, igreja da misericórdia, bolas tradicionais adequadas àquele tempo, mas…… afinal onde decorre a acção ? Na Raia ?
Em Vilar maior não é.