Quem tem lido as minhas crónicas, já notou que não é meu timbre auto elogiar-me, ou falar até de pertenças minhas. Não o faço por razões óbvias, e se não fossem essas razões, bastava esta: quem se louva a si mesmo, depressa encontra quem o meta a ridículo.
Hoje vou quebrar a regra, vou falar de mim. Gosto imenso de andar, e quem me conhece sabe perfeitamente que é verdade. Não é só de agora, já faço isto há muitos anos. Vou contar duas histórias passadas comigo, relacionadas com este meu gosto pelo caminhar. Numa noite de consoada, já lá vão uns bons trinta anos, depois da ceia, caminhei pelas ruas da então Vila, durante uma hora ou mais. Alguém me viu e disse que nessa noite fria só tinha visto dois malucos na rua, o Fernandinho, que toda a gente conheceu, um deficiente mental querido por todos, e a mim.
Um rapaz que agora é meu colega, e quando ainda não me conhecia, via-me sempre andar a pé com a minha pasta do trabalho, começou a interrogar-se se eu não seria louco. Talvez um e outro tenham razão, mas deixai-me dizer umas palavras: quando caminho sinto-me livre, afasto-me das incomodidades deste mundo ruidoso e encontro o espaço vital necessário para andar, coisa que não encontraria se fosse dentro de um automóvel.
Também já deve ter notado amigo leitor(a) que eu sou um anacronismo, penso que bom seria a quietude e a vida contemplativa de civilizações antigas. A nossa? É a civilização do ruído e da técnica, as pessoas andam cada vez menos, mas passam horas diante da televisão e do computador. Também o capitalismo selvagem que hoje impera continua com a divisa Time is Money, por isso os horários de trabalho cada vez se prolongam mais com uma cadência acelerada, não deixando tempo nem para passear um pouco a pé.
Mas o meu maior prazer é caminhar pela natureza, os espaços abertos e os horizontes amplos são fontes de inspiração, e aliás a natureza é a nossa identidade originária, o homem com quem primeiro contactou foi com a natureza. Conheço alguns lugares que fazem parte da publicidade do turismo mundial, mas nenhum suplanta, para mim, as paisagens do nosso Concelho. Acreditem-me, as minhas palavras saem-me da alma, não da ambição nem da carteira.
Caminhei muito, continuo a caminhar, embora agora já não seja tanto, perdi um companheiro de passeios, está com problemas de saúde, é Alfredo Virgílio Correia, andamos muito, podemos dizer sem exagerar que foram alguns milhares de quilómetros. Amigo Alfredo, todas as horas ferem, só a última mata, também já me ferem a mim, e talvez de aqui a mais meia dúzia de anos, ou menos até, o meu caminhar seja só no perímetro de algum jardim da nossa cidade. Mas tanto eu como você podemos dizer o seguinte: esta terra não nos foi dada como herdo pelos nossos pais, foi-nos emprestada pelos nossos filhos. A eles diremos que nunca desrespeitamos a Mãe Natureza. Nunca matamos, nem maltratamos nenhum animal, e se vimos tantos, desde lobos, raposas, coelhos, e outros mais. Mergulhamos nas águas do Côa, e nadamos lado a lado com cardumes de peixes, vimos lontras esquivas, bebemos água de nascentes, ribeiros e riachos, vimos o declinar do Sol no alto de alguns cabeços, encontramos coisas antigas pertencentes a outras gerações em moinhos arruinados nas margens do rio e de algumas ribeiras.
Leitor(a), ame a natureza da qual faz parte.
«Passeio pelo Côa», opinião de António Emídio
ant.emidio@gmail.com
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