Esta segunda parte da conversa com a directora do Museu do Oriente, Natália Correia Guedes, aborda a riqueza do património do Sabugal, o Grupo dos Amigos do Museu do Oriente e a Ordem Hospitaleira de São João de Deus cuja história se mistura com a das terras da raia ribacudana.
– O concelho do Sabugal tem vestígios históricos interessantes…
– O concelho do Sabugal é muito rico em património. Há determinados nichos que estão esquecidos e que poderiam ser postos em destaque. Estive este fim-de-semana na Ponte de Sequeiros [n.r. Valongo do Côa]. Quem já leva a sua cultura sabe que está na presença de uma ponte romana que era uma via muito importante e a dificuldade de transportar todas aquelas pedras. Mas porque é que se justificou uma ponte naquele local? Porque havia minas de ouro e por isso muitas moedas se têm encontrado naquela rota. Mas isto devia ser explicado no local com um cartaz interpretativo. Quando há património disperso que faz parte de um roteiro constrói-se um centro de interpretação que explica toda essa matéria. Os visitantes a partir do centro de interpretação localizam-se geograficamente estando demarcados com muita clareza determinados locais para serem visitados. Os países nórdicos e a Holanda têm este trabalho extremamente bem feito nesta matéria.
– É esse o papel de um responsável de um Museu?
– Claro. É fundamental saber explicar e transmitir toda a sua sabedoria aos visitantes transformando um passeio turístico em ensinamentos culturais. Até porque o interlocutor pode saber mais. Uma vez o Museu de Arqueologia fez uma super-exposição com ouros pré-históricos. Uma professora de Vila Real vinha a acompanhar os alunos. Olhou para o cartaz e exclamou «Tenho em casa um colar destes!» O colar era nem mais nem menos do que um «torques pré-histórico» que um familiar tinha encontrado na lavoura do campo. O colar foi vendido a um antiquário mas eu consegui convencê-lo a revender e a Câmara adquiriu-o. O colar de valor incalculável está neste momento no Museu de Vila Real. E já que falamos de Vila Real não resisto a contar um episódio que se passou recentemente na Ruvina. O padre João Parente, de Vila Real, é especialista em numismática romana e já publicou livros sobre a adoração das serpentes. Elaborou uma colecção de milhares de moedas antigas e ofereceu-a à Câmara Municipal de Vila Real. É um benemérito. Já esteve comigo na Ruvina e aproveitámos para espreitar o chamado barroco da serpente.
– Conheço o Barroco da Serpente na Ruvina. Nem sequer está referenciado com placas. Tem algum interesse histórico?
– Encontrei-me com o padre João Parente na Academia Portuguesa de Ciências e a conversa andou à volta das características dos povos ofiusas, ou seja, povos que adoravam as serpentes – o nome Ofir está relacionado – e de como o cristianismo purificou todas essas adorações pré-históricas. Aproveitei para lhe perguntar quais são as características das cobras gravadas nas pedras. Ele fez-me um desenho com umas pequenas covas no final do rasto para onde o sangue escorria. No fundo o cristianismo purificou essa divinização da cobra e acabou por colocá-la na esfera que suporta a imagem de Nossa Senhora, ou seja, o domínio do bem sobre o mal. «Na Ruvina há lá uma barroca com essas características» comentei. Há pouco tempo, eu e o padre João fomos até lá, retirámos com uma vassoura de piassaba a terra que estava a tapar as reentrâncias e lá estava bem marcada a serpente.
– E esses vestígios deviam ser preservados?
– Sem dúvida nenhuma. Mas por vezes falta sensibilidade. A adoração do javali e do porco selvagem existia porque era o único animal que conseguia vencer a cobra, altamente venenosa para o homem. Eram os chamados berrões. Há um estudo recente foi feito há três ou quatro anos sobre os berrões que são, geralmente, esculpidos em granito.
– A Fundação consegue comprar tudo o que gostaria?
– As Fundações não substituem o Estado mas têm um papel fundamental na recolha e preservação do património… É um fenómeno muito curioso. Desde que o Museu abriu há permanentemente propostas de venda de particulares. Nem sempre é possível. Neste momento há que ter um equilíbrio financeiro muito grande de gestão dos fundos e porque houve um investimento brutal em recuperar o edifício e montar o museu. O equilíbrio financeiro é fundamental.
– Já tiveram solicitações para «emprestarem» exposições de outros museus? E do Museu do Sabugal?
– As peças de arte viajam muito. Ainda não tivemos nenhuma exposição vinda de outro museu mas está em estudo essa possibilidade. Uma parte significativa da exposição Kwok On sobre máscaras já esteve numa cidade do sul de França. O sucesso foi tal que este ano veio cá um grupo da escola local visitar o Museu do Oriente. Do Museu do Sabugal não tivemos, até agora, nenhum pedido ou contacto.
– Quais são as actividades do Grupo de Amigos do Museu do Oriente?
– Acabou de sair daqui um autocarro com cerca de 40 pessoas, do Grupo de Amigos do Museu do Oriente, que vão até a Sines visitar o museu local… Têm mensalmente uma actividade que, na realidade, serve para levar a mensagem do Museu do Oriente e trazer notícias e novidades. A grande maioria é do corpo diplomático. Antigos embaixadores no Oriente e pessoas que viveram em Macau e Timor e que nos são muito úteis porque têm contactos e conhecem coleccionadores particulares. Vamos, por exemplo, fazer uma exposição sobre flores do Oriente. Eu tenho que localizar porcelanas com flores, pratas, etc., e há sempre algum deles que conhece alguém que tem lá em casa determinado objecto. Estas grupo dá ao Museu um grande enriquecimento cultural. Há pessoas que têm em casa peças excelentes, muitas vezes herdadas, e que nem sabem o que valem. Peças excepcionais. No ano passado uma senhora foi ao antiquário mostrar uma peça que tinha em casa. Era uma peça excepcional do século XVI que acabou por ser capa da revista do leilão de um importante leiloeiro em Londres. Durante séculos fomos entreposto de obras de arte excepcionais vindas do Oriente que passavam por Portugal compradas por burgueses endinheirados, nobres. As rotas das porcelanas, das sedas que representavam o lastro possível de um navio ou seja, aquele peso que era necessário para equilibrar o barco. Os chineses mais cultos apreciam a porcelana de melhor manufactura ou por que era monocromática ou uma pasta de melhor qualidade. A nossa Companhias das Indias fazia apenas o transporte. Nós temos exposta uma vitrina enorme com os pratos colocados em forma de dragão chinês e em que cada prato tem as armas de uma família portuguesa. São centenas de peças que a Fundação comprou a um coleccionador que as reuniu durante mais de 20 anos.
– Sei que esteve ligada à Ordem Hospitaleira de São João de Deus…
– Não é bem uma ligação. A Ordem Hospitaleira de São João de Deus, há uns dois anos, pediu-me para elaborar um programa para montar o Museu da Ordem. Eu ainda não estava aqui na Fundação Oriente. Fiz o programa mas quem veio a montar o Museu foi uma filha minha conservadora de museus, Carmina Correia Guedes, com o meu acompanhamento. A 8 de Março foi inaugurado o Museu no Hospital do Telhal, perto de Sintra. O que é que isto tem a ver com o Sabugal? Tem tudo a ver com o Sabugal. A Ordem Hospitaleira de São João de Deus foi extinta em Portugal, como todas as ordens religiosas, em Portugal em 1834. Quando regressam, pela mão do padre Bento Menni instalam-se em Aldeia da Ponte. A primeira casa da Ordem Hospitaleira foi em Aldeia da Ponte que infelizmente está em ruínas mas penso que recuperáveis. Devemos, pois, destacar este facto. Foi graças a uma adesão enorme da pessoas da zona do Sabugal que se restabeleceu a Ordem Hospitaleira em Portugal. Aliás, como sabe, muitos dos irmãos espalhados pelas casas da Ordem são oriundos das aldeias do Sabugal. Aproveitei para deixar um catálogo, com um cartão pessoal, aos responsáveis do Museu do Sabugal dando conta da importância da relação que os dois museus podiam ter mas, até agora, ainda não recebi qualquer resposta.
1 – Agradecemos a disponibilidade de agenda de Natália Correia Guedes, directora do Museu do Oriente, para receber o Capeia Arraiana e para nos guiar numa visita à exposição de Fausto Sampaio em fase final de montagem. Por curiosidade refira-se que uma das pinturas que vai estar exposta pertence a uma das paredes do gabinete do primeiro-ministro José Sócrates.
2 – Na Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, entre 1891 e 2006, dos 1.090 candidatos a irmãos, 199 eram do Sabugal. Muitos dos religiosos da região chegaram mesmo a ocupar lugares de destaque como José Joaquim Fernandes e Horácio Monteiro (naturais de Quintas de S. Bartolomeu estão actualmente na Madeira), o padre Carreto (Rapoula do Côa) e outros.
3 – Há uma clara falta de interesse dos responsáveis sabugalenses em encetar uma parceria (privilegiada) com o imenso património cultural do Museu do Oriente. Há uma clara falta de motivação para levar os alunos das escolas do Sabugal a visitar os museus de Lisboa. Há uma clara ausência de aproveitamento das «coisas» históricas da Ordem Hospitaleira de São João de Deus e da sua relação com os sabugalenses e o Sabugal. Será falta (excesso) de sensibilidade, será falta (excesso) de profissionalismo, será falta (excesso) de vontade, será falta (excesso) de trabalho ou será… falta (excesso) de tempo?
jcl
JcLages, deverias ter colocado o teu terceiro ponto e último do post em negrito ou qualquer cor berrante! Para que berrasse bem alto para todo o concelho ouvir!
Em cheio. Parabéns!