Estamos no tempo das matanças, e muita é a mortandade que vai por essas aldeias, com os cochinos em alto grunhidoiro nas manhãs gélidas. Uns matam por tradição, outros por manifesta necessidade, porém todos por apreciarem a boa carne dos porcos que medraram no chiqueiro
Corre desde há uns anos forte e decidida campanha contra a mortandade do animal, sacrificado sobre uma banca, em acto atroz de absoluta impiedade. Clama-se que tal prática, ainda que ancestral, é atentatória à dignidade do animal. Parece-nos, contudo, que ainda ninguém clamou contra o consumo da carne de porco, nem os enchidos, nem os presuntos e os torresmos. Isso é que era bom! A carne é saborosíssima, e enche as medidas a qualquer apreciador da boa culinária, ainda que muito se fale em dieta e em comidas light, que em português escorreito seria melhor dizer limpa de fortes valores nutritivos.
Ora, perante tal contradição – o gosto da carne versus a protecção do animal que a fornece – encontrou-se um argumento de peso: a falta de higiene e de controlo sanitário. Nada há contra a morte do marrano, desde que aconteça em matadouro, sob o controlo das entidades fiscalizadoras, de forma a garantir-se a qualidade da «fazenda».
Ora, cabe-nos perguntar, que melhor garantia há para a qualidade da carne, do que ser o próprio consumidor a matar, limpar e desmanchar o seu marraninho, cevado na sua cortelha, a trato de bolotas, saramagos e retassos, sem que uma pitada de ração de compra lhe entrasse no bucho? É morto à frente de todos os que vêm para ajudar ou que passam na via pública e se assomam, sem receios de mostrar que o bicho quando vem para o banco traz boa saúde e é com absoluta limpeza e asseio que é tratado desde que a faca lhe entra no gasnete até ir para o chambaril, ser desmanchado e partido para as diversas peças do enchido que haverão de atestar o fumeiro. Que melhor garantia do que essa de ser o próprio consumidor a tratar do seu sustento?
Mas não, os senhores mandantes, ocultando estranhos interesses, vêm reclamar a pureza dos novos métodos do matadouro. O que na verdade se passa no açougue, só o sabe quem lá trabalha, entre as quatro paredes, longe das vistas públicas, aproveitando tudo o que há para aproveitar, ainda que centrifugado para salsichas e fiambres, comendo depois o consumidor uma pasta de carne gustativa, mas toda de igual sabor, independentemente do tipo de alimentação que o animal teve.
Deixem-se de hipocrisias. O que essas leis proibitivas e atentatórias aos costumes pretendem, é servir interesses comerciais instalados, que fazem pressão sobre quem decide, para que se ponha fim à matança do porco doméstica, para que mais salsichas cozidas venham para o mercado.
Ainda que os tempos sejam outros e que falte gente nas nossas aldeias, o porco deve continuar a ser morto nos currais e à beira das estradas, não apenas nas aldeias, mas também nas vilas e nas cidades, para que se demonstre que o povo quer estar bem servido, quer comer o que sabe ser de qualidade e estar sujeito a regras de limpeza e de salubridade que faltam nos estabelecimentos industrias. Esteja o povo fiel ao antigo adágio: faz a matança e enche a pança.
Viva a matança do marrano!
Paulo Leitão Batista
No Soito, efectivamente a “PASSARILHA”éra mesmo brincadeira para os garotos. Os adultos gozavam´”á brava”com eles .Obrigavam-os a fazer de plantão á porta da Loja onde se fazia a “desmancha” do porco para a dita “passarilha não fugir.
Bem, esse costume não existia no Soito, já que aqui a passarinha era a PASSARILHA. E só funcionava com as crianças. A PASSARILHA era sempre para os garotos.
Estive recentemente numa matança, onde tive oportunidade de observar esse costume da passarinha.
O que como é obvio motivou muitas piadas e gracejos maliciosos. 🙂
mas tive conhecimento de outro costume relacionado com esse da passarinha.
Parece que havia o costume de lançar um pedaço de pão para a travessa da passarinha.
Esse pedaço de pão chamavam-lhe “o moço”.
Quando o “moço” estava na passarinha (cuidado com os pensamentos… ) ninguém podia comer da “passarinha” até que o dono do marrano servisse copos a todos e todos os terem bebido, era a “panca”
Ou seja depois de o “moço” estar na “passarinha” só se podia continuar depois de ser servida a “panca”
Este património cultural não físico que está no saber do povo tem que ser preservado.
para que o “moço” continue na “passarinha” até que o dono do marrano pague a “panca”
maravilhoso 🙂
Quando era pequeno, na matança do Ozendo (em casa dos meus avós), tinha o privilégio de comer a passarinha.
Clarificando: É permitido o abate desde que para auto-consumo, não para venda. Portanto está salvaguardada a tradição.
A legislação comunitária proíbe o abate de animais fora de locais certificados, como os matadouros, e sem inspecção das condições sanitárias, impondo também restrições ao consumo público dessa carne.
Mas as directivas comunitárias, não têm em contas as especificidads culturais de cada povo. Esse o problema.
Isto é tão estúpido, que em 2003, na povoação de Amareleja, tendo um grupo de amigos decidido organizar uma matança, a GNR deslocou mais de uma dezena de elementos para fiscalizar a iniciativa, apesar da presença de um veterinário e de uma engenheira alimentar no local.
O Governador civil, na dúvida, consultou juristas, que opinaram que desde que houvesse inspecção veterinária e o marrano fosse sorteado entre os presentes (para ter um dono certo), a matança era legal.
No entanto o procurador teve dúvidas e mesmo assim abriu um inquérito, que depois foi arquivado por falta de provas.
Mas as orientações que julgo existirem agora, é que tal é permitido desde que para consumo de casa. Fora disso, só nos locais de abate devidamente licenciados,
A modernidade, ora aí está… Pano para mangas…
Eu também apoio e gosto.
Eu apoio 🙂
e se não fosse por colocar em risco amigos teria muito gosto em partilhar imagens de matanças que por ai tenho feito.
Eu adoro os tchichorrões, as chouriças, as morcelas etc.
E adoro também o convívio que existe quando se faz uma matança.
Há milhares de anos que os meus antepassados utilizam o porco como um factor importante na alimentação da família raiana, porque razão agora no Sec. XXI se vai admitir que um qualquer ignorante venha por decreto dizer que não se pode fazer o que sempre foi feito?
Eu apenas lamento que não haja gente com a garra suficiente para lutar contra esses assassinos culturais que teimam em cilindrar culturas em nome de uma pretensa modernidade.