Continuação da crónica sobre o concerto mítico dos «Faíscas» no dia 27 de Maio de 1978 no Cine-Teatro do Sabugal.
Muitos dos presentes apresentavam-se trajados, também, de forma bastante Punk e provocatória. Alguns jovens com gravata e outra indumentária Punk. E o Rui Rito com um casaco cheio de latas, numa de Punk!!! Também presentes estavam jovens da Guarda e até de Celorico da Beira. Punks a tocar nunca tinha havido por estes lados!!!
Os «Faíscas» começam a tocar e, passado pouco tempo, têm início uma série de provocações entre o público e a banda. Rocky Tango tocava com o «jack» da guitarra todo esticado. O amplificador lá atrás e ele aos saltos de um lado para o outro, no palco. Os «Faíscas» gostavam de tocar bem perto do público. Os concertos dos «Faíscas» tinham uma energia muito rara.
Em Portugal não havia banda com tanta energia como os «Faíscas». Ao mesmo tempo Horácio (o teclista dos Stradivarius), escondia-se lá atrás e aproveitava para baixar o som dos amplificadores que Rocky Tango tinha colocado quase no máximo!!!
Dedos Tubarão usava uma t-shirt onde tinha escrito a esferográfica «Musa, a tua ausência é o despertar da minha angústia».
Lembro-me de tocarem muito Rock’N’Roll, temas como «Roll Over Beethoven» ou «Rock Around The Clock». Dos temas em português é que guardo poucas memórias, mas sei que alguns deles tinham letras bem provocatórias.
De repente um espectador cospe no baixista. Este cospe também e ameaça o espectador. Trocam-se uma série de insultos. Ele sai do palco e tenta tirar satisfações. Depois tudo acalma e o espectador oferece-lhe uma cerveja. O baixista Dedos Tubarão (hoje famoso) só diz «mas pagas tu, mas pagas tu!».
A organização, devido à chegada tardia dos Faíscas, estava com problemas financeiros. Então os membros da banda andavam sempre atrás do rapaz que tinha o dinheiro para receberem. Este dava-lhes algum cacau e mandava-os tocar mais um pouco. E foi assim a noite toda. Tocavam três ou quatro temas e vinham pedir as coroas (o termo que eles utilizavam).
Sei que aquilo terminou e fiquei lá no recinto a noite toda. Fiz uma directa, com outros jovens do Soito que estavam lá, também.
No dia seguinte, de manhã, recorremos à boleia para ir para casa. Alguns dos presentes que tinham tomado speeds e até comprimidos para dormir (devido à falta de «outro material») regressaram a casa, mal o concerto terminou, sabe-se lá como.
Pelo menos dez (!!!) deles vieram na cabine de uma camioneta de carga, marca Saviem, para o Soito. Tratava-se da famosa Saviem que transportava os frangos dos Ritos, do Soito. Como lá couberam todos é que ninguém consegue explicar. O condutor da camioneta que era o Antero Rito teve que fazer a viagem de 16 km com a porta aberta (!!!!) Mas todos chegaram sãos e salvos. Alguns, mal chegaram a casa, dormiram no primeiro canto que encontraram, sem se preocuparem em encontrar a cama, tal a dose de comprimidos para dormir que tinham tomado.
E foi assim este concerto inesquecível. De certeza que nenhum dos presentes esqueceu, jamais, esse concerto.
De músicos Punk até aos dias de hoje, os elementos que constituíram os Faíscas continuam a dar cartas na música portuguesa. Efectivamente, Dedos Tubarão é Pedro Ayres Magalhães dos Corpo Diplomático, Heróis do Mar, Madredeus e Resistência; Gato Dinamite é Emanuel Ramalho, que foi baterista dos Corpo Diplomático, Street Kids, Rádio Macau, Delfins e João Pedro Pais, entre outros e Rocky Tango é Paulo Pedro Gonçalves, dos Corpo Diplomático, dos Heróis do Mar, dos LX 90, dos Kick Out The Jams e dos Ovelha Negra.
Na foto estou eu a fingir que canto, acompanhado pelos Stradivarius, mesmo antes da chegada dos Faíscas. Foi uma das únicas fotos tiradas por Viriato Lopes, nessa noite.
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«Memória, Memórias…», crónica de João Aristides Duarte
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