Cumprem-se hoje cem anos sobre o falecimento do ilustre escritor Trindade Coelho, natural do Mogadouro, que iniciou a sua carreira profissional no Sabugal, razão mais do que suficiente para aqui lhe prestarmos o devido preito.
Em 1885, com 24 anos e já casado, conclui o curso de Direito em Coimbra, nascendo-lhe também nesse ano o filho Henrique. Escrevia contos e crónicas em jornais e revistas, de onde retirava algum pecúlio, mas necessitava de arranjar emprego.
«Um dia de manhã recebo uma carta, de Camilo Castelo Branco, o grande escritor, que eu nunca tinha visto, nem ele a mim: dizia-me que vira nos jornais que eu fora a concurso e que escrevera ao Ministro pedindo-lhe que me despachasse!
Caí das nuvens! Mas daí a poucos dias estava efectivamente despachado «delegado do Procurador Régio» do Sabugal, e eu ia ao Minho visitar o grande escritor , vê-lo pela primeira vez (primeira e última!) e beijar-lhe as mãos pelo seu tão grande favor.
(…)
Sabugal era a melhor comarca de 3.ª classe; mas era quase uma aldeia, na Beira; e Camilo disse-me numa carta que escreveu para lá que «receava que eu me fizesse ali um reinícola pavoroso»; – e em menos de um mês estava transferido para Portalegre, que era já uma pequena mas linda cidade, capital de distrito, no Alentejo.»
Como vimos pela citação, da sua «Autobiografia», escrita em 1902, foi através de Camilo Castelo Branco que foi para o Sabugal e foi o mesmo escritor que dali o retirou. Esteve na nossa vila raiana por muito pouco tempo. Iniciou funções no dia 18 de Fevereiro de 1886, mas logo em Abril foi transferido para Portalegre, onde esteve durante quatro anos, indo depois para Ovar e a seguir para Lisboa, onde definitivamente se fixou.
Magistrado de grande prestígio, elabora estudos e propostas de leis e publica alguns livros sobre ciências jurídicas, onde se destacam: «ABC do Povo», «Recursos em Processo Criminal», «Incidentes em Processo Civil», «Anotações ao Código Penal» e «Manual Político do Cidadãos Português».
Enquanto literato, Trindade Coelho ficou sobretudo conhecido como contista e novelista, sendo a sua obra-prima o livro «Os Meus Amores», publicado em 1891, considerado por muitos como uma das jóias da literatura portuguesa. Outra obra de referência é «In Illo Tempore», sucessão de crónicas sobre a sua passagem por Coimbra enquanto estudante, falando acerca dos colegas, dos lentes e dos fruticas, que ao tempo davam alma à cidade do conhecimento. Também é obra de vulto o livro «O Senhor Sete», que contém dispersos sobre folclore e doutrina literária.
Em 1907, desgostoso com a ditadura de João Franco, pede a demissão do cargo de Delegado do Procurador Régio da 3.ª Vara Criminal de Lisboa e, no ano seguinte, desiludido com a vida, suicida-se em sua casa a tiro de pistola. A fatalidade ocorreu em 18 de Agosto de 1908, cumprindo-se hoje exactamente cem anos sobre o acontecimento.
Mogadouro, a terra que o viu nascer orgulha-se do seu natural mais conhecido. No centenário do seu nascimento, em 1961, foram para ali transladados os seus restos mortais, que até então permaneciam em Lisboa. No mesmo ano inaugurou-se a estátua do escritor, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, colocada ao centro do largo, que passou a chamar-se Trindade Coelho.
Este ano de 2008, em que se cumprem cem anos sobre a sua morte, o Mogadouro preparou um vasto programa evocativo. Foi lançado um concurso literário com o seu nome, efectuaram-se sessões evocativas através do Grémio Literário de Vila Real e organizou-se uma exposição acerca da vida e obra do escritor.
«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
Leave a Reply