Neste período chamado de férias, recordo algumas coisas que escrevi há quase quarenta anos.
no Inverno havia as matanças. era o dia de matar o porco em casa da avó.
de madrugada minha mãe acordava-me. vestia-me e íamos eu. ela. e o chá. rua acima. minha mãe com uma «cesteira» numa das mãos com o chá dentro. na outra mão a minha mão.
o dia ainda não nascera. tudo era silêncio e escuro. a hora de morrer. de estar ali. o papão lá na esquina. mas a certeza da minha mãe. ali. e do chá.
das matanças lembro ainda o ponche bebido antes de matar o porco. chá com aguardente. bolacha feita na padaria. nozes com figos secos.
e o t’zé paca. figura única. com a sua voz «galholha» como dizíamos. sempre a contar histórias. sempre a rir. ele era o mítico. o degolador. ele enterrava a faca no porco. e cozia o porco com agulha e linha.
e o t’zé patalaia a quem metíamos as unhas do porco nos bolsos.
depois do porco pronto era a vigilância. um varapau na mão. à porta. o t’zé para abrir o porco. e era preciso não deixar fugir a «passarinha».
lembro-me que nunca fui com as mulheres a lavar as tripas à ribeira mas que gostava de ter ido.
havia sangue de porco e pão amassado. gostava de ver minha avó a amassar as morcelas. a encher as tripas.
o inverno eram as matanças e quase mais nada.
o natal quando meu padrinho chegava e era dia de estar alegre. o natal do menino jesus. da missa do galo. do jantar em casa da avó.”
:: :: :: :: ::
ps 1. Assim escrevia no início da década de setenta… O José Saramago ainda vinha longe, mas era assim que já se escrevia em alguns sectores da intelectualidade da altura.
ps 2. Para que não digam que me afasto do teor das minha crónicas, uma fábula (real, e pedagógica).
Quando entrei para a Força Aérea, acompanhei o Chefe de Estado Maior numa visita a uma Unidade Militar. Numa das Esquadras dessa Unidade, o seu Comandante fez aquilo que se chama em gíria militar, um «briefing» de apresentação da Esquadra.
Falta-nos isto, não temos aquilo, os computadores não valem nada, ninguém nos liga, o Comandante desfiava um rol infinito de queixas.
Olhava para o Chefe e via-o a retorcer-se na cadeira. O meu Director, beirão de sete costados e «burro velho», segreda-me: «isto dá para o torto…»
De repente o general levanta-se e diz: «Nosso Major, além de se queixarem, que mais fazem aqui?…»
Silêncio sepulcral.
(Para mau entendedor: substitua a Esquadra pelo Sabugal e o nosso Major por alguns arautos da desgraça.)
:: ::
«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Setembro de 2007)
:: ::
Leave a Reply