Continuamos a referenciar o «Manual PolÃtico do Cidadão Português», de Trindade Coelho, que retrata a organização polÃtica do paÃs há um século. Desta feita veremos como estavam então organizadas as câmaras municipais.
Cada concelho do reino tinha um corpo administrativo denominado Câmara Municipal, tendo a seu cargo «administrar o os peculiares interesses dos povos da respectiva circunscrição».
Trindade Coelho valoriza muito o papel dos autarcas na gestão dos municÃpios. Considera que estes foram os primeiros e mais importantes ninhos de democracia, sendo no seu seio que os cidadãos se preparam para vida pública, ao aprenderem a resolver os problemas das populações. «São os naturais viveiros onde o Estado pode ir buscar os seus legisladores, e os seus homens de governo», refere o Manual.
Os vereadores da câmara e respectivos substitutos eram eleitos pelos concidadãos do concelho que soubessem ler escrever e contar, ou que tivessem rendimentos superiores a 500 réis. Os eleitos serviriam por três anos civis, «a contar do dia 2 de Janeiro imediato à eleição ordinária». As funções de vereador eram obrigatórias e gratuitas, ninguém podendo portanto, se eleito, eximir-se a cumprir funções.
O presidente e vice-presidente da câmara eram escolhidos pelos vereadores eleitos, em escrutÃnio secreto, preferindo, havendo empate, o mais velho dos votados. Antes de entrarem em exercÃcio os eleitos prestavam juramento de fidelidade ao Rei, à Carta Constitucional e à s leis do reino.
A câmara celebrava uma reunião ordinária por semana, e as extraordinárias que o interesse do serviço público exigisse. Essas sessões eram públicas, não podendo porém os «espectadores», sob qualquer pretexto, intrometer-se na discussão ou manifestar-se, sob pena de serem de imediato presos e entregues directamente ao poder judicial. Ãs mesmas sessões assistia sempre o Administrador do Concelho (representante do Governo), que tinha assento ao lado esquerdo do presidente, podendo, esse sim, intervir sempre que o pedisse.
Ademais deveria o presidente entregar todas as semanas ao administrador, para por sua vez remeter ao governador civil, um resumo das deliberações tomadas pela câmara. O governador civil do distrito enviava então a informação de todas essas deliberações ao ministro do reino, muitas das quais necessitavam aliás da sua aprovação para entrarem em vigor.
Trindade Coelho manifesta opinião no seu Manual, considerando que tais disposições comprimiam a acção das câmaras municipais, porque sujeitas a controlo sistemático por parte do poder central, o que era castrador da sua autonomia. Acrescia a isto que as câmaras, assim como as juntas de paróquia, podiam ser dissolvidas a qualquer momento pelo governo.
Era essa mesma a prática corrente: «à geralmente nas vésperas de eleições de deputados que a degola de municÃpios tem lugar â sendo nomeados pelo governo para substituÃrem os vereadores do povo, quaisquer servintuários do poder, mais amoldados, por educação e por carácter, ao papel de escravos do que senhores, e mais aptos à defesa da servidão do que ao culto e ao respeito pela liberdade. E temendo a desforra, que seria a réplica da justiça popular ofendida pelos seus verdugos, o código declara que os vogais da corporação dissolvida são inelegÃveis para a mesma na primeira eleição a que se proceder».
Estávamos ainda muito longe do poder local democrático que conhecemos hoje e que sobreveio à Revolução de 25 de Abril de 1974.
plb
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