Contactei e conheci José Saramago, senão o maior, uns dos maiores escritores portugueses vivos cerca do ano de 1985, muito antes de ter sido galardoado com o prémio Nobel de Literatura, com toda a justiça.
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As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre
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Na minha biblioteca lá estão os seus principais romances, nomeadamente «Levantado do Chão» e «Memorial do Convento», com a dedicatória: «Para o José Robalo, com a simpatia do José Saramago.»
Este artífice das palavras para além de uma prosa vigorosa, saborosa e original é um mestre na utilização do gerúndio e do adjectivo e um observador das realidades sociais e do mundo que o circunda, analisando-o com muito realismo e espírito crítico.
Vem tudo a propósito de um livro muito interessante deste autor, que tem por título Viagem a Portugal, onde o viajante que é Saramago, vai desfiando o que vê e ouve ao longo deste pequeno rectângulo que é o nosso país. Naturalmente que o viajante também veio ao Sabugal e descreveu o que viu e ouviu, desta forma redonda: «Ao Sabugal vai o viajante na mira dos ex-votos populares do séc. XVIII, mas não deu sequer com um… na Ermida da Senhora da Graça. A igreja, agora, é nova e de espectacular mau gosto… O viajante tem um compromisso para esta tarde. Irá a Cidadelhe. Para ganhar tempo almoça no Sabugal, e, para o não perder, nada mais viu que o geral aspecto duma vila ruidosa que ou vai para a feira ou vem de feirar.»
O nosso prémio Nobel de literatura esteve no Sabugal na década de 70 do século passado e não quis perder tempo em conhecer a então vila.
Ficamos sem saber o que impressionou negativamente o nosso Saramago, mas estamos convencidos que talvez a arquitectura emergente e já reinante de materiais de gosto duvidoso, do betão e das marmorites que nada têm a ver connosco, o tenham feito rejeitar as nossas jóias arquitectónicas encabeçadas pelo castelo de cinco quinas, até porque o mesmo Saramago visitou Sortelha e gostou.
Apesar de ter havido uma evolução muito positiva das mentalidades e dos técnicos do município que se regista com muito agrado, penso que muito há ainda para fazer nesta área da reabilitação urbana, agora que estamos em plena discussão pública da alteração do RUE (Regulamento da Urbanização e Edificação) para o concelho do Sabugal, razão mais do que suficiente para divulgação desta intenção, para que todos possamos dar o nosso contributo e no final, convidar José Saramago a visitar uma cidade já mais bonita e ordenada, nomeando-o cidadão amigo do Sabugal, porque nenhuma viagem é definitiva.
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>> Para Ler
«O Canto e as Armas, A Praça da Canção e Pico», de Manuel Alegre.
«Viagem a Portugal», de José Saramago, Editorial Caminho.
>> Para Ouvir
«Sviatoslav Richter in concert», One Records, Audiovisuais, Lda.
«Quintetto Lo Greco», The Right Spirit, Edizioni Ishtar.
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«Páginas Interiores», opinião de José Robalo
Eu sou a primeira a acreditar que “nenhuma viagem é definitiva”!
E também acredito que todos os que gostarem da nossa zona tudo farão para mostrarem a José Saramago “uma cidade já mais bonita e ordenada”.
O livro de José Saramago “Viagem a Portugal” fez com que eu olhasse para o escritor com uma certa antipatia, pois não achava justo que ele dissesse “mal do nosso Sabugal”. Como este livro já tem alguns anos, deu-me tempo para me aperceber de quanta razão ele tinha! Quem vem de fora analisa friamente, pois a realidade é nua e crua! Temos verdadeiras aberrações na nossa cidade! Não sei se conseguiremos que ele mude de opinião, pois há erros que dificilmente serão rectificados! Claro que o esforço dos técnicos aliado ao despertar da sensibilidade dos munícipes poderá minimizar, mas não só, o projecto terá que ser mais global! Tem que haver uma preocupação muito grande na recuperação do património, é o que nos resta, recuperar com qualidade! Para não termos que ouvir tantas vezes os nossos visitantes lamentarem-nos e terem “pena de nós” é que reconhecem os nossos novos equipamentos… a evolução a vários níveis. Mas o que está mal… como foi possível?