Na Cerdeira há mais vida para além da estação do comboio – Para muitos beirões o nome da Cerdeira confunde-se com a estação dos comboios da CP. Mas há mais vida para além da linha de caminho-de-ferro (agora electrificada) que se associou ao rio Noémi para dividir a freguesia ao meio. Guiados por Joaquim Matos, presidente da Junta de Freguesia da Cerdeira, fomos conhecer melhor esta freguesia que convive com vários concelhos.
A Cerdeira foi ponto de partida e chegada para muitos sabugalenses. Como o Sud-Express apenas parava na Guarda e em Vilar Formoso foi pouco utilizada pelos emigrantes franceses mas… era ponto de passagem obrigatório para os que andavam na «tropa» ou viviam em Lisboa ou noutros pontos do País. Também o autor destas linhas, nos tempos da Força Aérea, aguardou muitos domingos à noite pela locomotiva a diesel que, anunciando a sua chegada, soava e… suava cansada, lá para os lados da Miuzela. Outros tempos! Agora a linha está electrificada e o rio Noémi corre poluído, sem peixes, por baixo da ponte…
Tinhamos à nossa espera Joaquim Manuel Costa Matos, presidente da Junta de Freguesia da Cerdeira, com quem tinhamos combinado uma visita às «suas terras». O autarca de 35 anos cumpre o seu primeiro mandato como responsável máximo pela Junta.
«Fiz parte da Assembleia de Freguesia durante dois mandatos porque considerei importante conhecer primeiro os diferentes órgãos autárquicos antes de me candidatar a presidente», assume para início de conversa recordando que «logo no início do meu mandato reuni com a Refer para continuar a discussão de um projecto e ainda tentaram insinuar algumas alterações mas rapidamente perceberam que eu estava dentro do assunto e a reunião recomeçou noutro tom».
A visita começou na Redondinha, uma anexa da Cerdeira que se confunde com o Peroficós, também anexa, mas do Seixo do Côa.
«Tenho 77 anos e criei 7 filhos. Estão quase todos no estrangeiro», diz-nos António Albino, um dos 10 residentes permanentes desta genuína aldeia rural beirã em miniatura com 14 eleitores que parece ter parado no tempo.
Um campanário sem igreja vigia o casario em pedra pintado no céu raiano onde apenas destoa o alcatrão decorado com tampas de esgoto. Cenário perfeito para uma aldeia totalmente dedicada ao turismo rural. «Vista de cima a Redondinha é redonda», diz-nos, Joaquim Matos, como quem desvenda um segredo. «Temos um dos maiores limites do concelho do Sabugal e somos vizinhos dos concelhos da Guarda (Monte Margarida), Almeida (Miuzela) e no final da Ribeira das Cabras batemos com o concelho de Pinhel», acrescenta.
E além dos acessos ferroviários há os rodoviários…
«A estrada municipal do Sabugal está cinco estrelas mas aqui perto na entrada de Monte Margarida quando começa o concelho da Guarda fica péssima», acusa o autarca sabugalense enquando nos encaminhamos a pé pelo trilho que dá acesso a duas sepulturas antropomórficas referenciadas com tabuletas.
A gare da estação da CP regista 749 metros de altitude, a capela da Senhora do Monte cerca de 900 metros e a serra da Estrela espreita, gelada e firme, por detrás das matas…
«Também temos invernos rigorosos. Este ano fomos a freguesia do concelho do Sabugal onde mais contadores da água rebentaram. Fiquei estupefacto quando ouvi, há dias, um ministro dizer que ter aquecimento central é um luxo. Uma afirmação dessas só mostra que esse senhor nunca deve ter saído de Lisboa. Ou pelo menos nunca veio à Beira Alta», diz-nos indignado.
Fomos até ao limite da freguesia e do concelho já à vista da placa que indicava «Concelho de Almeida». Joaquim Matos levou-nos por um caminho de terra batida até um amontoado de rochas e explicou-nos que «há uns anos foram retirados desta pedreira privada (agora desactivada) chamada de Seixinhos Brancos vários camiões TIR de uma rocha rara de cor rosácea que foi levada para ser trabalhada em ourivesaria na Alemanha».
– E há mais vida para além da estação dos comboios?
– Nunca percebi porque chamam áquela espécie de apeadeiro alcunhado de «Barracão» a estação do Sabugal. Seria mais lógico considerar a estação da Cerdeira como a verdadeira estação do Sabugal… A Cerdeira tem um colégio privado gerido por religiosas que tem obtido excelentes classificações no ranking nacional. Devemos ainda falar do jardim de infância e do lar de idosos, da farmácia, do posto de Correios, da empresa de caracóis, da oficina de electricidade-auto e da estação de serviço de combustíveis que está agora em obras para ampliar a área de restauração…
Sentia-se o orgulho pela sua terra na voz do presidente da Junta da Cerdeira enquando desciamos em direcção ao rio Noémi e ao largo das Eiras. Mas nem tudo «corre» bem…
– Tivemos o apoio dos serviços camarários para limpeza do Rio Noémi porque sozinhos não tinhamos capacidade. Infelizmente há mais de 10 anos que não tem peixes porque as margens do rio estão poluídas. Estamos fartos de denunciar a situação à Câmara da Guarda. Temos provas que o problema está na Etar. A água que corre tem espuma e cheira a esgotos. Ninguém quer resolver o problema. Aproveito para adaptar um poema de Augusto Gil…
Passa constante, constantemente,
Mas de certeza que não chama por mim
Será petróleo, será água
Água não é certamente
e petróleo não cheira assim.
Fui ver! É merda meus senhores!
E assim corre um rio que merece um olhar mais demorado pela beleza do enquadramento a partir do parque de merendas que fica junto da «Barraca» da associação local onde estivemos um pouco à conversa que o sol estava quente. Com ar imponente estacionou por perto o todo-o-terreno que transporta o novo equipamento de combate a incêndios florestais.
– O nosso grande projecto até Agosto é a recuperação do Largo das Eiras, uma obra que só foi possível com o apoio da Câmara Municipal do Sabugal. Outro dos projectos em que vamos ter a colaboração da autarquia é a transferência do posto dos Correios para uma casa em pedra recuperada em frente ao Colégio. Deixou de fazer sentido mantê-lo numa rua sem saída junto à estação da CP. E assim vamos criar um posto de trabalho e juntar o atendimento dos Correios com o da Junta de Freguesia no piso térreo e um posto de turismo do concelho e um espaço multimédia no primeiro piso. Vamos trabalhar no sentido de o manter aberto todos os dias.
Subimos até à Senhora do Monte. Bafejados por um dia limpo e sem neblina admirámos uma paisagem única até perder de vista. Um passeio turístico pela zona da «Trupe TT» deixou plantadas 10 árvores no recinto em redor da capela. Ali perto, em Santo Amaro, vive sozinho um parisiense. Andava a passear pela zona, apaixonou-se pelo local, e lá vive como um verdadeiro eremita. «Que se saiba não tem família no concelho», esclareceu Joaquim Matos.
«Temos água e electricidade na Senhora do Monte e estamos a apenas 11 quilómetros da auto-estrada. Temos condições para ser uma das porta de entrada de um roteiro turístico para o concelho do Sabugal», concluiu o jovem autarca, dinâmico nas palavras e nas acções.
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«À fala com…», entrevista de José Carlos Lages
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