O «Pagamento do Vinho» era um costume antigo, que existia na Aldeia, bem como em outras aldeias vizinhas, prolongando-se ainda pela nossa juventude, que consistia no pagamento de uma importância, face à tentativa de um forasteiro namorar e conquistar uma donzela de Aldeia, com o objectivo óbvio, na maioria dos casos, de contrair matrimónio com a dita, escolhida para este fim, seguindo-se assim a tradição, que já vigorava nos tempos de outrora.
Quando se descortinava algum galfarro, já bem grandote, rondando pelos nossos lados, eram espiados vários locais de acesso, não era muito difícil, diga-se, até se conseguir apanhar o artista, em flagrante delito, isto é, entrando na casa dos pais, onde morava a eleita do coração, para namorar, nada de retirar conclusões precipitadas, que não são chamadas aqui para esta matéria.
A prometida era avaliada pela sua beleza e, consoante as posses da família, determinava-se assim um valor aproximado, mais ou menos justo, que o inesperado pretendente tinha que desembolsar para a rapaziada beber uns copos, o designado pagamento do vinho.
Quando do lado da pretendida, não se concordava com o valor estipulado pelos “pedidores”, podia ser o cabo dos trabalhos, com grandes discussões entre os negociantes e a família da escolhida, comparando-se com outros exemplos de beldades anteriores, que tinham pago um valor ou outro, chegando-se, depois de árduo batalhar, a um entendimento, sem vencedores nem vencidos, antes a satisfação de ambos os lados, como convinha, nestes casos difíceis.
Da recordação dos tempos, ainda relativamente recentes, o trato tornou-se mais civilizado, combinando-se, por acordo mutuo, um borrego assado, juntamente com as bebidas, em que o pretendente amigo, também tinha, forçosamente de alinhar, as mais das vezes, com grande gosto, como era desejável, familiarizando-se com a rapaziada, contribuindo para uma melhor integração com a malta da Aldeia, sendo considerado um dos nossos, depois desta obrigatória prova dos nove.
Como é bem sabido, as moças, antigamente mal saíam de casa, sendo bem protegidas, especialmente pelas mães, enquanto que com os rapazes, a coisa era um pouco mais liberal e tolerante, não havia as mesmas restrições, tinham uma certa rédea solta, como se dizia na altura, não se verificando a mesma preocupação neste assunto. Esta situação desigual foi-se esbatendo ao longo dos tempos, até chegar aos nossos dias, onde as diferenças já não fazem grande sentido, como se constata facilmente.
Existiu um episódio de um candidato ao pagamento do vinho, que se foi descartando algumas vezes, até que a paciência se esgotou. Enquanto namorava, tranquilamente, dentro de casa, decidiu-se tapar a rua com uns carros de bois, pois tencionava esquivar-se à “obrigação”, face a este grave motivo, a rua teve de ser bloqueada desta maneira.
Foi, seguramente, um pouco exagerado, mas o sangue na guelra da malta e a continuação da tradição, assim o exigiu, tendo até dado origem à chamada da GNR. Depois deste episódio, não mais constou que deambulasse, outra vez, pela nossa Aldeia, acabando por desistir da donzela, que naquela época pretendia cativar.
Outros casos aconteceram, alguns que bem mais brado deram, de consequências graves e funestas, a que voltaremos, e ainda muitos outros, onde eram os próprios voluntários, quem tratava de tudo, com a ajuda do pessoal, passando-se magníficas tardes de convívio.
Actualmente, muitos dos costumes antigos vão-se esbatendo, embora se recordem com alguma saudade. Naquelas épocas, os divertimentos eram totalmente diferentes dos que hoje existem, proliferando estes, por aí, ao virar da esquina, em quantidade e variedade suficiente, pois os tempos são outros, bem mais evoluídos, assim como a nova mentalidade da geração mais recente.
«Ecos da Aldeia», opinião de Esteves Carreirinha
estevescarreirinha@gmail.com
Esse costume era conhecido no Soito pelo “pagar a patente”