Como alguns mortais, sou natural de uma aldeia humilde, muito bonita, mas pequena, situada entre a Guarda e Ciudad Rodrigo e carregada de espiritualidade. Tenho nos ouvidos o cantar dos pássaros e o toque único das Trindades e das Ave Marias dos sinos do Colégio da minha aldeia.

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«Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da Beira… e, desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio do amor vigilante e sem fadiga de minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas poucas coisas que os meus olhos amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha poesia é capaz. As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elemental. Dessa infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação…»
Eugénio de Andrade
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Na Ruvina tomei consciência do mais importante da vida tendo aprendido a gostar das pessoas e a valorizá-las pelo que são. Quando falo da Ruvina as emoções assaltam-me e embarga-se-me a voz. O meu pensamento treme, quando falo da minha aldeia.
A nossa essência na vida revela-se naquilo que somos e nesse particular sinto orgulho do que sou, por ser donde sou e por ter uns pais trabalhadores e que padeceram muitas privações, para me darem condições de vida, que eles não tiveram.
Sei que há muita gente que lamenta o facto de não ter nascido num pequeno lugar, para poder sentir-se acompanhado e ter referências. Sempre que posso regresso ao meu tugúrio, retempero forças e visito os locais da minha infância, os odores da minha memória tais como as madalenas de Proust, no seu romance: «Em busca do tempo perdido.»
Até o poeta Fernando Pessoa afirmava que a sua aldeia era o Largo de São Carlos.
Foi na Ruvina que me cortaram o cordão umbilical, porque na altura não havia maternidades e tudo ficava longe. Foi aqui que aprendi a rir, a chorar, andar, a falar, a ler e a escrever.
Enquanto criança não conheci telefone ou electricidade e como aquecimento tive sempre boas lareiras. Na Ruvina, a luz eléctrica foi inaugurada, deveria ter sete anos. Considero-me um bafejado da sorte uma vez que com os meus amigos de infância, aprendi valores de solidariedade, justiça e respeito. Todos tínhamos apelidos e lembro-me que me zangava quando me chamavam espanhol em referência ao meu passado recente na vizinha Castilla y Leon.
Aos mais velhos antes do nome púnhamos um «Ti». Ao prior da freguesia, a cada momento que com ele nos cruzávamos, pedíamos a bênção. Tenho nos ouvidos o cantar dos pássaros e o toque único dos sinos da minha aldeia, as Trindades e as Ave Marias do sino do colégio. As minhas vizinhas foram sempre as santas desse colégio.
Acredito como Rilke, que a nossa pátria é a nossa infância. A minha infância é a minha aldeia. A Ruvina sempre foi e será para mim uma lição de vida e por isso, sempre que posso retorno às origens. Em pensamento nunca a abandono e a ela regresso diariamente. A sua ausência é uma coisa que trago sempre comigo…
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>> Para Ler…
«As Mãos e os Frutos», de Eugénio de Andrade, obra poética, Editora Limiar.
>> Para Ouvir…
«Supplique pour être enterre à la plage de Sete», de Georges Brassens, Philips Phonogram.
«You must believe in spring», de Bill Evans, Warner Bros. Masters
>> Para Visitar…
No domingo, «Festa da Senhora das Preces», na Ruvina, no Cabeço da Atalaya. A paisagem envolvente é de cortar a respiração.
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«Páginas Interiores», opinião de José Robalo
É bem verdade que somos da infância como de um país … Gostei muito de ler este artigo no qual me revejo. Dilata-me a alma a viagem ao mundo da infância e da terra dos meus avós ( Monteiros-Gagos ) na Guarda. Sempre que posso também regresso a esse mundo pese embora já não tenha os meus avós comigo, fisicamente, sinto-os presentes nos lugares e nas coisas.
De cortar a respiração é este artigo que me faz lembrar a minha infância em Barca d’ Alva, terra que me viu nascer.
Foi com um enorme prazer que li estas linhas, pensando que fossem da minha autoria, mas parece que não, pois não naci na Ruvina, nem me chamo Robalo, mas se o autor tivesse nascido na Lageosa e se tivesse o nome de Afonso, certamente teria feito menção às capeias, mas no resto teria escrito sensivelmente a mesma coisa.
Obrigado pelo que escreveu, e sobretudo pela maneira como o soube fazer.
Nunes Afonso
Lageosa da Raia
Quando o autor se escreve o resultado é necessariamente melhor.
Fidedigno, universal.
Também gostei muito.
Gostei do post, pois a mim também me faz lembrar as saudades da minha aldeia quando estava em Castelo Branco e também muitos anos em Lisboa, nada melhor do que a nossa terra e as nossas gentes, apesar de ter nascido em Cascais, valorizo mais a qualidade de vida rural.
Apreciei este post e ao lê-lo regressei mentalmente à aldeia que me viu nascer. Desde os 11 anos que resido no Grande Porto, mas muitas vezes dou comigo a ouvir os sinos da igreja, os pássaros a chilrrear e adoro quando vou a pé até às “cavadas” e me debruço para beber a fresca e cristalina água que tanto os meus avós e pais gabaram sempre que lá iam tratar da vinha, do olival, das colmeias e das figueiras…ai os figos!!!