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15 Março 2008

E esta é à inglesa!… E agora é a roubar!…

Por José Robalo
José Robalo
Páginas Interiores, Rendo, Ruvina acordeão, josé robalo, Rendo, tocador 1 Comentário

A «ronda» era feita pelas ruas com o tocador acompanhado pelos mordomos, os foguetes e a rapaziada do costume anunciar o momento alto da festa, o baile, onde era tolerado algum atrevimento e que servia para consolidar e iniciar namoros e noivados.

Bailarico ao som do acordeão
Bailarico na aldeia ao som do acordeão

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«Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta…Vai morrendo o Largo. Aos domingos, é ainda maior a dor do Largo moribundo. Vão todos para os cafés … O Largo fica deserto sob a ramaria das faias silenciosas.»
«O Fogo e as Cinzas», de Manuel da Fonseca.

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Corria o ano de 1985, quando das mãos do seu autor me foi oferecido «O Fogo e as Cinzas», com dedicatória que diz: «Para o José Robalo este Fogo e as Cinzas, cordialmente do Manuel da Fonseca.»

Trata-se de um livro de contos, cuja temática é a vida alentejana, que fácilmente poderemos transpôr para a vida do nosso interior raiano. Os nossos largos também estão moribundos, porém vivos na nossa lembrança.

Diferentes estudos que conheço sobre a memória, cito Jean Yves e Marc Tadié, quando no seu livro «Le sens de la mémoire», (Paris: éditions Gallimard, 1999), afirmam que todo relato do passado falsifica as recordações, pois o acto recordativo não distingue com clareza o verdadeiro do falso.

Equacionada esta advertência,

No imaginário da minha infância passada na pacatez da Ruvina, recordo com alguma nostalgia o som e a presença do acordeonista, que em momentos fulcrais se transformava no centro da vida da aldeia. Nas festas e uma vez terminada a componente religiosa com as procissões e a missa, a parte profana era preenchida na sua totalidade por este personagem, que com um acordeão a tiracolo, normalmente de uma marca italiana, calcorreava as ruas da aldeia anunciar o baile que se centraria num dos seus largos.

A «ronda» era feita pelas ruas com o tocador acompanhado pelos mordomos, os foguetes e a rapaziada do costume anunciar o momento alto da festa, o baile, onde era tolerado algum atrevimento e que servia para consolidar e iniciar namoros e noivados.

Na minha memória de infância guardo a imagem do tocador sentado numa cadeira, normalmente sobre uma grade de cervejas, num largo à sombra de um freixo, desfiando modas. Por vezes o suor escorria-lhe da testa colocando então um lenço das mãos por dentro da boina, para aliviar o incómodo, continuando a tocar.

De quando em vez, anunciava «Esta é à inglesa!» «Esta é a roubar!».

Terminada a moda as raparigas recolhiam para junto das mães aguardando nova moda e profundamente desejosas de serem convidadas a mais um pé de dança pelo seu predilecto.
Ti António Pereira, de RendoCorria assim a vida, pacata e mansamente, quando esta quietude foi quebrada com o aparecimento e generalização dos grupos musicais de influência pop e mais tarde os organistas, tendo o concerto de acordeão caído em desuso.

O Município do Sabugal, no ano 2000 resolveu dar «uma pedrada no charco» e organizou o festival de acordeão e de tocadores de realejo, com algum sucesso tendo editado um disco, designado «Festival de Acordeão… e tocadores de realejo», tudo com recurso à prata da casa, homenageando assim estes tocadores.

Fui encontrar um destes personagens, o ti António Pereira de Rendo, hoje com 76 anos e que por necessidade foi emigrante em França.

«Comecei a tocar acordeão com 15 anos, por curiosidade e por gosto; os meus pais compraram-me um pequeno instrumento, que mais tarde trocámos por um mais a sério; foi preciso muita insistência e treino, sozinho com o instrumento, nas tentativas e erros; a vontade de aprender era enorme. Quando ia para os trabalhos do campo, nomeadamente a guardar as vacas levava o instrumento e treinava.»

Refere-nos que «quando era garoto sempre gostou de ver os acordeonistas tocar nos bailes; ficava encantado». Mais tarde e quando já sabia uns acordes, os acordeonistas deixavam-lhe experimentar umas modas.

Este autodidacta do acordeão correu todas as aldeias do concelho, tendo sido no seu tempo um dos mais reputados e procurados acordeonistas.

Para se organizar um baile, bastavam uma cadeira, uma grade de cervejas e um acordeonista, «pondo a malta toda a dançar e a divertir-se. Na altura a malta era mais alegre e divertida».

Muitas vezes quando terminavam os bailes, porque cumprindo horários decentes nunca se ultrapassariam as 22 horas, a pedido da rapaziada ainda havia tempo para mais umas rondas pela aldeia.

«A rapaziada gostava da rambóia e gostava de agradar às raparigas.»

Ainda se lembra do seu primeiro cachet: «Recebi pela minha primeira actuação 100$00, o equivalente a 50 cêntimos.»

Com alguma amargura na voz, sempre vai dizendo «que o acordeão já não tem o valor que tinha. Foi despromovido, tendo sido substituído pelos órgãos electrónicos».

Em 1964, emigrou para França, onde ainda tocou num grupo etnográfico local. Regressou a Portugal em 1982. Foi com enorme alegria que recebeu o convite do município para participar no 1.º festival do acordeão e participou na gravação do CD, onde tocou valsas e tangos. «Na altura dançava-se melhor do que hoje», diz a esposa que atenta ouve o desfiar das memórias do marido.

Agora toca na Igreja à missa para satisfação do Sr. Padre «e até já o Sr. Bispo me deu os parabéns».

Recorda nostálgico que às vezes a rapaziada vinha «tirá-lo da cama, para organizar mais um baile, ou fazer mais uma ronda. Quando a rapaziada ia ao número, e ficava apta para o serviço militar, lá estava o acordeonista, acompanhar alegria dos mancebos».

Em jeito de despedida diz-nos: «Agora tudo mudou.»

«Ele já não pode ver que o Largo é o mundo fora daquele círculo de faias ressequidas. Esse vasto mundo onde qualquer coisa, terrível e desejada, está acontecendo.» O Fogo e as Cinzas, de Manuel da Fonseca.

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>> Para Ouvir no fim-de-semana…
«Festival do Acordeão …e Tocadores de Realejo», edição do Município do Sabugal e que poderá encontrar no Auditório Municipal, Posto de Turismo e Monumenta – Casa do Castelo, no Sabugal.

«La Revancha del Tango», dos Goten Project.

Se pretender algo mais erudito, «Maria João Pires, Verdes Anos, 1976-1985», onde interpreta de forma superior Bach, Beethoven, Chopin, Shumann e Mozart.

>> Para Ler…
«O Fogo e as Cinzas», de Manuel da Fonseca, editorial Caminho.

«Uma abelha na Chuva», de Carlos de Oliveira, Livraria Sá da Costa Editora.

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«Páginas Interiores», opinião de José Robalo

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José Robalo
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1 Comentário

  1. Avatar Olga Tenente Responder a Olga
    Sexta-feira, 4 Abril, 2008 às 15:18

    Gostei imenso do artigo, fez-me recordar os nossos bailes na Cerdeira do côa e arredores e todo o encanto do «flirt» que pairava sempre no ar.
    Agora, de facto, tudo é diferente… é o chamado “engate” á descarada, desprovido da sensualidade e magia do «flirt»…
    Ahh… como é bom estar apaixonada!!!!
    Continuando à espera de novo artigo, do meu autor preferido.

    Olga Tenente

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