Acção, Lugar e Tempo. Trilogia, muito conhecida na arte do teatro, serve para esta evocativa memória do Natal da minha infância em Quadrazais. (Continuação.)
Por outros caminhos, a mocidade (quer dizer, os solteiros, vintões) já identificado o trono ou madeiro, e o lugar onde se iria buscar, tratava do madeiro, da fogueira de Natal, que arderia toda a noite, até o fogo se extinguir durante o dia seguinte.
O madeiro afastava alguma mocidade da missa do galo, mas a generalidade do povo participava (ao tempo dizia-se: assistia) na missa de vigília. Rezada, pois era em latim, sendo poucos os cânticos de ilustração vernácula da liturgia. Rompiam estes, como o «Entrai, Pastores, Entrai», ou o «Concebido no ventre / nove meses / no ventre da Virgem Mãe», e outros, quando o pároco, tomando o berço e o Menino, percorria a igreja, levando-o ao ósculo de todos e de cada um. Ninguém saia do lugar. Era o menino que vinha ao encontro dos fiéis.
Para ele, se os mais velhos ofereciam um óbolo (naquele tempo o óbolo mais modesto era o de meio-tostão, que dava, todavia, para comprar meia-dúzia de rebuçados com retratos dos jogadores de futebol) as crianças levavam laranjas, e figos secos, e castanhas piladas e, sobretudo, as rosquinhas, uma espécie de donut, mas de maior perímetro, que levávamos enfiadas no pulso e destinadas ao Menino. Crianças, acreditávamos que Maria, José e o Menino comeriam aquelas coisas boas porque, na missa solene do dia 25, já todas as ofertas haviam sido retiradas.
A propósito dos cânticos, entoavam-se principalmente durante a cerimónia do beijo, os cânticos tradicionais, mas, com o aparecimento de grupos da Juventude Agrária, que recebiam formação e informação, começaram eles a introduzir melodias mais concordes com a liturgia. Foi o tempo, lá na aldeia, da introdução do cântico «Gloria in excelesis». Introdução que levou algum tempo a fixar porque, no início a assembleia dividia-se. Uns cantavam uma coisa, enquanto outros cantavam a nova, em geral desconcerto.
Ceava-se antes da meia-noite, e antes para que, no dia seguinte, e dadas as normas do jejum eucarístico ao tempo, se pudésse comungar. Por isso, a missa do galo celebrava-se por volta das 11 horas da noite e quem não fosse comungar no dia seguinte, podia estender a ceia por mais tempo. Feitas as filhós e as rosquinhas, por vezes também o caldudo (uma sopa de castanhas piladas e cozidas em leite) era o ensejo para os garotos serem mandados pelas mães a levar duas ou três filhós a casa de alguma viúva, homem só, ou indigente. Pouco, mas partilhado.
No dia da festa quem primeiro começava a trabalhar era o pároco, pois tinha de celebrar missa na localidade anexa do Ozendo. Ia de mula, por caminhos sendeiros, e regressava a tempo da missa paroquial. Com esta, em boa verdade, se concluía a festa de Natal propriamente dito, na expectativa de novos dias santos: o primeiro do ano e, na época, o dia 6 de Janeiro, feriado e Dia dos Reis Magos, com novas doçarias.
Na aridez inverniça, um tempo de alegria e de comunhão. De boa vontade e, sobretudo de paz campestre ao som do correr dos sinos.
:: ::
«Carta Dominical», por Jesué Pinharanda Gomes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Fevereiro de 2007 a Setembro de 2018)
:: ::
Leave a Reply