Mapone é um anagrama do escritor Manuel Poças das Neves, nascido em 1931 na freguesia de Reguengo do Fetal (região de Leiria) mas que tem profunda ligação à Beira Baixa, cremos que por ter constituído família na zona do Fundão.
E tão fundo se ligou que, ao iniciar uma carreira de romancista, o seu primeiro romance, de estilo bucólico («Monte das Giestas», 1967) tem a Serra da Gardunha por cenário, e o romance teve consentâneo prefácio do famoso dr. Rolão Preto, que, independentemente de uma vida política controversa, foi um regionalista, muito dedicado às terras da Gardunha.
Quanto a Mapone, tem obra nas áreas porventura distantes uma das outras, como sejam a Gastronomia regional (das regiões de Leiria e do Fundão), o turismo e, sobretudo desde 1974, a historiografia local, cujo percurso iniciou com os estudos para uma monografia da vila de Castelo Novo, hoje freguesia do concelho do Fundão, mas que é vila antiga, templária, granito embutido no granito. Uma preciosidade do património construído na serrania que olha a campina.
Tivemos o proveito de escutar Mapone, nas Jornadas que, há anos atrás, se realizaram em Castelo Novo, a propósito de mais um centenário do antigo foral da vila.
Mapone surpreende-nos agora com um outro Estudo de história local, e bem local, já que tem por tema um pequeno pedaço de terra, um covão, para onde escorrem as inverniças enxurradas, e onde, outrora, terras baldias, os povos circunvinhos apanhavam lenha para os lares, pastoreavam gados e um que outro cavava a terra para obter pelo menos algumas batatas e algum centeio. Esse covão é o que dá o título ao presente livro: «Charneca do Algar d’Água. História duma Guerra intestina no Concelho da Batalha, 1882-1940» É a apresentação documental de uma prolongada guerra (mais do que simples querela) entre as freguesias de Fátima, Reguengo do Fetal, S. Mamede e Santa Catarina da Serra e os concelhos da Batalha e de Vila Nova de Ourém, pela posse da referida Charneca do Algar d’Água, toponímico aliás bem bonito, a sugerir arcaicas origens.
Ignoramos se no País ainda há baldios. Da nossa meninice lembra-nos a política da Junta de Colonização Interna quando, no Alto Côa e nas abas da Serra da Malcata, procedeu ao cadastro dos baldios, que fraccionou em lotes, depois sorteados pelas famílias. Foi um drama, porque famílias, muitas, tinham cavado fracções de terra para cultivo, sendo o único pedacinho que possuíam. Ao perderem-no, ganharam por sorteio outra parcela, sabe Deus onde, e de pouco agrado. Muita gente, de facto, só cultivava a terra graças à existência do baldio.
Não aconteceram guerras, mas, no caso da fundação da Colónia Agrícola Martin Rei (Peladas) no termo do Sabugal, nem tudo foi pacífico, uma vez que a vila do Sabugal e a sua anexa (Torre) foram os beneficiários da Colónia, em que se instalaram casais daquelas terras ,com casa de morar, estábulo, apoio à compra de vacas de trabalho, etc., o que foi muito bom, mas, por outro lado, Quadrazais sofreu o prejuízo. Nas Peladas criava gado e, quem tivesse carro de bois, ia lá arrancar cepas para o lume.
A ideia de baldio levanta sempre a ideia de propriedade. Segundo uns, para ser livre é vantajoso não possuir propriedade – era a ideia dos Espirituais da Idade Média – segundo outros, a propriedade é a garantia de liberdade: só é livre quem tiver propriedade, pelo que a repartição dos baldios deu uma quota de posse a muitos que a não tinham. Porém, neste arquivo de documentos que Mapone encontrou, leu, descodificou e ajustou de forma lógica e temporalmente sequencial, é toda uma gesta de fossado (guerra de fronteiras) e de presúria (como no tempo dos fogos mortos da Reconquista Cristã) que durou cerca de 60 anos, aqui perto, nas barbas do poder central. Processo complicado, que envolve Juntas de Paróquia, Regedorias, Párocos, Comissões Administrativas, Populações e, também, como pitada de sabor a sal, os motins ao gosto da Maria Fonte. Armas: os utensílios da lavoura – podoas, podões, enxadas e enxadões e outras tecnologias bélicas ou de lavoura. Do processo nasceu uma nova freguesia, a de São Mamede, mas nem por isso os ânimos se acalmaram desde logo. Os costumes e os hábitos levam o seu tempo a curar.
Esta obra, em que o gosto literário só é ultrapassado pelo rigor da pesquisa documental em vários arquivos e chancelarias, tem um prefácio do professor Joaquim Veríssimo Serrão, que anota esses valores: os dons literários e os factos investigados.
«Carta Dominical» de Pinharanda Gomes
pinharandagomes@gmail.com
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