Por altura de 1963, mais ano, menos ano, novamente mais uma Capeia à noite, nos mesmos moldes, esta já bem da minha lembrança, pois acompanhei a pé, durante todo o dia e sem comer, tal era a febre, o que me acarretou uma violenta reprimenda da minha Mãe.
Manhã bem cedo, ala que se faz tarde, a caminhada era a pé e bem longe, não havia boleias, como agora, toca de apertar o passo, para chegar à quinta do Natcho, mesmo a tempo, de não perder pitada da saída dos bichos do curral.
Iniciado o encerro, seguíamos a pé, sempre atrás dos cavalos e muito próximos dos touros, «falando com eles», chamando-os pelos nomes, que ouvíamos aos cavaleiros espanhóis, nas diversas tentativas de os levar até à praça, só que fugiram várias vezes, tornando infrutíferas todas as caminhadas.
Então, decidiu-se que se faria ao entardecer uma última tentativa, coroada de êxito, sendo já noite, quando se conseguiu encerrar toda a boiada do Natcho, levando-a pelos Termos, Tapada do Moinho e Vêgas, derrubando paredes de lameiros e tapadas, abrindo portaleiras para a passagem de toda a «comitiva», vindo a sair ao Cemitério Novo, entrando na Praça, pelo lado contrário, seguindo-se a Capeia, com início por volta da meia-noite.
Como ainda não havia luz eléctrica, só a teríamos em 1967, colocaram-se quatro ou cinco candeeiros de «Petromax» em sítios estratégicos para se ver o melhor possível a praça.
Foi um espectáculo todo este movimento, Encerro e Capeia, apesar de ser à noite, sendo os touros esperados ao Forcão, não tendo perigado ninguém, apesar de um ou outro susto, como sempre acontecia antigamente.
Imediatamente a seguir, com uma praça a abarrotar de touros e vacas, apartaram-se os ajustados e escolhidos pelos Mordomos para a «corte», sendo os outros largados pelas ruas do encerro normal, rua da Praça, Colégio acima, em direcção à quinta espanhola, num primeiro desencerro nocturno, o outro foi pela manhã, bem cedinho, já raiava a aurora, quando a Capeia terminou. Estes desencerros converteram-se em dois momentos com grande emoção para a rapaziada nova, juntamente com os poucos cavaleiros, atrás dos touros, galgando rua acima, até ao fim do povo, retomando o caminho de terra batida, em direcção ao seu poiso habitual.
Que melhor divertimento para a «canalha» miúda, na qual nos incluíamos, bem como para todos os outros, depois de mais um ano de espera pelo Santo António. Com o Encerro e a Capeia, nesta época, vivia-se uma sensação especial de aventura, embora com alguns riscos, mas que importavam os riscos?
«Ecos da Aldeia» de Esteves Carreirinha
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