A Quarta Feira, é um lugar encantador, que pertencente à freguesia de Sortelha. Longe do fulgor do minério que lhe deu nomeada, através das minas da Bica, é hoje um lugar de pouca gente, mas cheio de vitalidade e olhos postos no futuro.

Ouçam o episódio que recordo e vejam como denota o vigor da gente oriunda destas terras: Quando no passado Inverno liderámos um movimento de contestação ao encerramento do SAP- Serviço de Atendimento Permanente do Sabugal, com a plateia do auditório do Sabugal ao rubro, um casal de jovens octagenários da Quarta-Feira, levantou-se e disponibilizou-se para caso fracassassem as restantes formas de luta, assumirem ali, perante todos, subir nus ao castelo de cinco quinas, para manifestarem o seu descontentamento!
Não foi necessário encetar esta forma de luta original, porque quem decide recuou perante gente desta têmpera e perante a injustiça de deixar toda uma população sem cuidados mínimos de saúde.
Desde muito cedo que no exercício da minha profissão de advogado me habituei a calcorrear caminhos por montes e vales para no local, aquilatar dos direitos que assistem aos meus clientes. Os direitos de propriedade ainda apaixonam homens e mulheres que sempre viveram ligados a essa nesga de terra, que lhes deu a sobrevivência.
É nestes momentos que me acodem ao espírito aqueles versos do nosso Pessoa quando perscrutava, imagino que com olhar sonhador:
Ó tocadora de harpa, se eu beijasse
Teu gesto, sem beijar as tuas mãos!
E, beijando, descesse p’los desvãos
Do sonho, até que enfim eu o encontrasse.
Com este desejo do poeta na realização possível, lá descia até à Quarta Feira, com prazer acrescido em contemplar vales e penhascos, onde a natureza se oferece numa paisagem deslumbrante de cabo do mundo, desembocando num casario cheio de vida.
Esta situação geográfica, com uma exposição solar inigualável, dá à Quarta-Feira e à região envolvente, características únicas em termos de microclima, propiciando produtos agrícolas de excelência, que em meu entender deverão ser valorizados, potenciados e protegidos.
Este território que se encontra integrado naquilo que designo em termos concelhios, como terra quente, produz entre outros um azeite de excelência.
O meu amigo professor Zé da Costa, é proprietário de um dos maiores apiários do concelho, produzindo um mel em qualidade e quantidade resultado do trabalho das abelhas nestas encostas da Quarta-Feira.
No entanto, pelos Evangelhos, ficamos a saber que nem só de pão vive o homem, apesar de no livro dos Gênesis, Esaú ter cedido a seu irmão Jacob o seu direito de primogenitura em troca dum prato de lentilhas!
Esta pequena comunidade pela mão do meu amigo João Reis e da Associação local, possui um grupo de teatro muito activo, «Os Guardiães da Lua», que tem desenvolvido um trabalho de muita qualidade e mérito.
Os Guardiães da Lua vão mais uma vez apresentar o seu trabalho no Festival de Teatro do Sabugal, que vai decorrer por estes dias no Auditório.
O João, um homem de cultura e talento, transfere para o granito a sua arte; pedreiro de profissão, tem enriquecido o património da sua terra esculpindo talento de forma desprendida e generosa, fazendo lembrar ao viajante, que na Quarta-Feira existe vida com arte.
O Mário Pires, natural e residente na Quarta-Feira, lançou a si próprio um desafio: criar o seu posto de trabalho, aproveitando riquezas endógenas e potenciando-as.
Assim, meteu mãos à obra, fez uma candidatura ao programa de iniciativa comunitária LEADER+ e construiu de raiz uma queijaria, produzindo queijo de cabra de fabrico artesanal, que denominou Serra do Cardo, com três condimentos: leite cru de cabra, que presumo ser das encostas da Quarta Feira, coalho e sal. O produto final é uma iguaria de se lhe tirar o chapéu, convidando desde já o amigo leitor, a degustar este produto adquirindo-o na Rua do Forno, na Quarta Feira, forma de apoiar este jovem dinâmico e empreendedor.
É com iniciativas deste género que criando o seu próprio emprego, se combate a desertificação e o pessimismo associado, valorizando o que de melhor têm estas terras, ao mesmo tempo que aumentam as possibilidades de se consumir bom queijo da região.
Finalmente e se for à Quarta Feira querendo pernoitar, poderá fazê-lo na Casa da Ti Ana da Póvoa, uma Unidade de Alojamento Rural, classificada na modalidade Casa de Campo, outra mais-valia desta dinâmica aldeia, onde é patente a diversificação das actividades económicas.
Por falar em arte e se também o amigo leitor gosta de pintura e escultura, até ao dia 21 de Outubro, em Salamanca na Sala de Exposições Caja Duero, de segunda-feira a Domingo, incluindo dias festivos, poderá visitar a exposição «Arte Moderna em Portugal», cedida pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado.
É uma boa oportunidade para admirarmos obras de Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy, Eduardo Viana, José de Almada Negreiros, Abel Manta, Dórdio Gomes e Vieira da Silva, entre outros.
Assim vale a pena viver no Interior.
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«Páginas Interiores», opinião de José Robalo
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