Taberneiro e moleiro grande parte da vida, foi agarrado a esses ofícios que criou e educou os filhos, ao mesmo tempo que angariava o pecúlio para mais tarde fazer florescer os negócios. A história de vida de um homem respeitado e honrado.
Nasceu na Aldeia de Santo António há 74 anos, no seio de uma família pobre, cujo pai criou os filhos com extremas dificuldades. «A nós em casa nunca nos faltou o pão mas meu pai passou muita fome para que aos filhos nada faltasse», revela-nos o Senhor José Ricardo que nos recebeu no velho moinho, hoje desactivado.
Na adolescência andou a servir na casa de gente abastada, para ganhar algum sustento. Saiu da terra para cumprir o serviço militar e, mais tarde, para ir trabalhar como ajudante na indústria da construção naval na Gafanha da Nazaré, onde esteve três anos: «Ganhava 26 escudos por dia e juntei algum dinheiro».
Em 1959 regressou à aldeia e arrendou a taberna da ponte do Sabugal, por 50 escudos mensais. Casou em 1961 com Maria Cândida Vinhas, sua conterrânea. Passados 3 anos, em 1964, soube que o Ti Bota a Fugir, verdadeiramente chamado Joaquim Augusto Esteves, queria vender o moinho que ficava a dois passos da taberna. Tinha acabado de tirar a carta de condução e estava «depenado», mas ainda assim comprou o moinho por 31 contos, pedindo dinheiro emprestado a várias pessoas. Seguiram-se anos de muito trabalho, como taberneiro e moleiro, ganhando para criar os filhos e para pagar as dívidas.
Graças ao intenso trabalho conseguiu equilibrar a vida e aos poucos aventurou-se noutros negócios. Iniciou-se na compra e venda de materiais de construção. Primeiro a medo, arriscando pouco, mas depois lançando-se na actividade, que lhe rendeu bons ganhos. Comprou viaturas, construiu armazéns, ergueu uma casa nova e instalou aí um café e um comércio, abandonando a velha taberna. Em 1989, após uma forte cheia do Côa, que alagou o moinho, largou também o negócio da moagem, para se dedicar por inteiro, já em sociedade com os três filhos, à gestão da empresa Ricardo & Ricardos, uma das mais promissoras do concelho, que desenvolvia actividade em diversas áreas e empregava muitos trabalhadores.
José Soares Ricardo é hoje um homem feliz, tirando a mágoa sempre presente da morte de um dos filhos, o Manuel Júlio, mas satisfeito por ver que o resto da descendência, composta agora por dois filhos e seis netos, vive venturosa.
Fazendo um balanço da vida olhando para concelho do Sabugal e para a muita gente que conhece e que muito estima, não hesita em considerar ter sempre apoiado as boas causas. «Nunca quis ser eu a dar a cara, por mais que mo pedissem. Um homem tem de saber o lugar que pode ocupar. Nunca tive feitio para certas coisas, como a política, embora andasse sempre interessado em saber como as coisas corriam. Tinha uma vida muito ocupada, com negócios para gerir e os filhos para criar.» Acerca dos filhos, revela que sabe que foi duro com eles: «Os meus rapazes nunca souberam o que eram férias e pouco tempo tinham para brincadeiras. Carregaram muitas sacas de farinha, grades de bebidas, blocos e tijolos. Mas não estou arrependido, souberam o que era a vida e hoje fazem o que comigo sempre aprenderam: trabalham e vivem honestamente.»
Como homem atento à vida concelhia, aceita o nosso repto de se pronunciar sobre o estado do concelho: «O desenvolvimento que houve não foi suficiente, podia ter-se feito muito melhor. Veja-se o Rio Côa, que é o nosso principal recurso. Pouco se fez para o aproveitar em todo o percurso que faz junto ao Sabugal. Gasta-se muito dinheiro em festas mas não no que é necessário para o futuro das nossas terras».
José Ricardo foi sempre um homem de causas e de muita elevada honradez. «Quantas vezes as pessoas da minha freguesia vindo da vila me passavam à porta carregadas, a pé, que isto de haver automóveis para todos não era coisa de antigamente, e eu lhes dizia: Ó Zé ou Ó Manel, espera aí um pouquinho que eu já te vou levar na carrinha. E lá deixava o meu trabalho, pedindo à mulher e aos filhos que se ocupassem do ofício, para dar uma saltada à Aldeia ou à Urgueira a levar as pessoas e as mercadorias. Mas nunca me arrependi do que fiz, porque também nunca me aconteceu pedir um favor a alguém que não recebesse pronta ajuda».
Paulo Leitão Batista
Não resisto a deixar neste «À fala com… José Soares Ricardo» do Paulo uma pequena nota de rodapé. Cresci a ouvir o meu pai falar com muita amizade do Ti Zé Ricardo. Também eu subscrevo as qualidades humanas que todos lhe reconhecem. Mas… gostaria de recordar com muito carinho e saudade um grande amigo que nos deixou antes do tempo. Para o Manuel Júlio vai o meu pensamento e a minha emoção enquanto leio este artigo.
José Carlos Lages
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