Retomamos o motivo Raia, ainda a pretexto da economia e do povoamento, porque há dias, folheando um jornal, vimos um mapa de Portugal demonstrativo da densidade de clubes de futebol (importantes).

Mapa mais do que demonstrativo, dramático: da fronteira norte (transmontana) até à do sul (algarvia), uma divisória. Para oeste, a glória, para leste, o deserto, como se Portugal acabasse numa raia tirada a régua, desde Chaves a Faro. Outrora, na raia beiroa, ou arredores, ainda tínhamos o Sporting da Covilhã mas, anos a esta parte, apenas clubes secundo e tertio divisionários. Não há gente, não há movimento. E as populações residuais tendem a encostar-se às mais próximas. Decerto estudantes que se candidatam a uma Faculdade, e que residam na raia beiroa, se questionam o que fica mais perto, se Lisboa, se Salamanca, excluída que for Coimbra, ou excluídas também a Covilhã e os Politécnicos.
Nestas coisas do futebol, talvez haja motivo para formular dois campeonatos nacionais, o do interior e o do litoral, o campeão sendo apurado numa final com um clube de cada área. Os poderes do litoral sempre venceriam, mas os parcos poderes do interior seriam chamados a sede de competência e de justiça.
Ocorre-nos, por idêntico motivo, o problema da Raia em termos de comércio legal. Sempre houve portagens, ou direitos de passagem, mas a fiscalização das fronteiras sempre foi deficiente e, em muitas épocas, efectuada na ignorância, ou nos usos e costumes. A fronteira luso-espanhola ainda hoje se acha algo turvada, pois a Comissão das Fronteiras nunca foi capaz de resolver alguns problemas, incluindo o caso de Olivença, que, nos mapas escolares portugueses se encontra alienatoriamente cedida a Espanha.
Em Riba Côa, a fronteira demorou a fixar-se. O Tratado de Alcanizes foi generalista e, ainda no tempo de D. Fernando (século XIV) este oficiava ao Corregedor de Castelo Branco para inquirir sobre a situação dos impostos que eram devidos, mas não pagos, pelos criadores de gado da Ginestosa. Da Ginestosa, quer dizer, das serranias leonesas onde se criavam vacas, bois e cavalos, e onde os portugueses iam enlaçar muitas reses, até para as capeias. Considerava-se a Ginestosa terra de soberania lusa.
Quanto aos povos mais próximos da Raia, houve direitos de avoenga para o livre trânsito. Alcanizes manteve sob jurisdição do bispo de Ciudad Rodrigo, os povos de Riba Coa, que só passaram para jurisdição do bispo de Lamego no primeiro quartel do século XV. A jurisdição eclesial acaba por fracturar a jurisdição temporal. Aliás, numa obra de referência centenária tão histórica e importante como ainda é o Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, no último volume há uma surpreendente entrada: Valverde del Fresno, que o continuador de Pinho Leal, o Abade de Miragaia, descreve como povoação anexa de Quadrazais!
O que diria um juiz que julgasse alguém por contrabando, se o arguido lhe lesse a informação de tão notável dicionário de terras?
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«Carta Dominical», por Jesué Pinharanda Gomes
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