O raiano, avezado à alimentação frugal, tem por tradição emborcar a côdea com peguilho, empurrada a golpes de verdasco. Sentando-se porém à mesa, em família ou na carava dos amigos, aprecia deglutir suculento repasto.
Dentro das ementas simples e com aparência de fraco teor alimentício, ganha relevo o caldo escoado, também apelidado de caldo de dois tombos. Engana porém o termo «caldo», porque não se trata de sopa, sendo antes prato com enchimento, embora de elementares condimentos.
Nada há de especial no caldo escoado, que não seja o esmero com que é confeccionado e os temperos especiais que lhe assistem. Come-se em qualquer época, sendo contudo mais apropriado ao tempo inverniço, atendendo ao teor gorduroso de alguns componentes.
Cozem-se batatas cortadas em pequenas rodelas, se possível, na tradicional panela de ferro. Ao lado, na sertã, prepara-se rico estrugido, com banha de marrano, alho e boa dose de pimentão espanhol. Para terceira vasilha, a barranha, corta-se pão trigo às fatias.
Cozidas as batatas, escoam-se, deitando a água fervente sobre as fatias de pão que estão na barranha, para logo se seguida, sobre o mesmo pão, se espalhar o estrugido.
Enquanto a miguinha assenta, é tempo de frigir na sertã pedaços de carne, que podem ir da entremeada, às rodelas de chouriça, bucheira, farinheira ou morcela.
Primeiro come-se a miga e depois, em segundo tombo, deglutem-se as rodelas de batatas cozidas, acompanhadas pela carne frigida.
O caldo escoado é aconselhado ao almoço, pois resta ainda tempo e actividade física para, pausadamente, o organismo tudo digerir. Para acompanhar serve-se vinho tinto, pois comer sem beber é cegar e não ver.
José Nabais, preado contrabandista e emigrante soitenho, falou-nos neste prato típico que antigamente ia à mesa dos raianos… [aqui]
ps: De novo se lamenta a pouca apetência dos restaurantes raianos pelos pratos típicos da região, pois em raro lugar servirão o caldo escoado a quem o queira provar. Seria bom recuperar o receituário antigo, sob pena de o vermos irremediavelmente perdido.
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«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
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Recordo-me de comer muitas vezes o famoso caldo escoado (arraiano pois que não sei se existe outro) e de sobre ele falar algumas vezes quer nos encontros de amigos, em Lisboa, enquanto estudante, quer posteriormente a colegas e amigos de profissão… Saibamos preservá-lo e eventualmente enriquecê-lo e talvez os restaurantes locais o comecem a adoptar e a difundir entre os inúmeros gastrónomos que procuram o concelho do Sabugal…
Olá, Paulo Leitão,
Caldo escoado era a única comida que eu sabia fazer quando era miúdo e ficava em casa sozinho. Ainda hoje as minhas irmãs me lembram do que lhes dava a comer quando a mãe ia para os terrenos deitar a água de manhã.
Um abraço
Franklim Braga