Longe vai o tempo em que imagens como esta se repetiam em quase todos os lares da nossa aldeia. O fumeiro e o lume eram uma constante companhia nos dias frios e chuvosos que caracterizam os invernos de então.
As manhãs gélidas tornavam a terra ainda mais áspera e gretada, enquanto a água que gemia das paredes do caminho lamacento, transformara-se em verdadeiros cristais de beleza inigualável! Cenário observável apenas por quem, apesar do frio, tinha que deitar contas à vida logo de manhã cedo, sim, porque o gado não podia permanecer mais um dia encurralado na corte.
Enquanto João, corcovado pelo peso dos anos e por canseiras desmedidas, cadenciava o andamento do seu pequeno rebanho com a ajuda do «Fadista» – cão de estimação que não vendia por dinheiro algum – o gelo ia derretendo e a erva ia mostrando, a pouco e pouco, a sua frescura.
Naqueles dias era um pastor solitário, claro o fadista nunca o deixava, por onde quer que ele fosse!
Refiro-me sim a Rosalina, sua mulher e companheira de seis décadas, que diariamente o seguia com a cesta à cabeça, onde o pão, o queijo e por vezes um naco de entremeada e a garrafinha de vinho constituíam o seu recheio. A lida da casa pertencia-lhe, como se fosse um dote adquirido pelo casamento. Mas Rosalina sabia do que falava e do que sabia, apesar de um ano de escola apenas desse para rabiscar o seu nome e pouco mais.
Mas da lida da casa sabia ela! Ninguém lhe punha um dedo à frente para fazer todas as tarefas Nas lides preparatórias da matança do porco e na confeção dos enchidos nem se fala! No Casteleiro era primeirinha!
Depois da colheita da azeitona e dos potes a transbordarem de azeite novo, era o tempo de matar o porquinho que durante um ano cuidou com toda a dedicação e livrando-o de todos os males e até dos maus olhados… dos males de inveja…
Depois da matança do dito, motivo de reunião da família, os enchidos eram a sua especialidade. Aquele chouriço de ossos era algo nunca mais visto, muito menos saboreado… chouriças, farinheiras, morcelas, bufeiras, chouriço do lombo e, como não podia deixar de ser, o presunto assumia particular destaque no majestoso fumeiro quer pela grandiosidade mas também pela cor rosada/avermelhada dada pelo verdadeiro pimentão que outrora encomendara a um contrabandista que fazia questão de trazer da vizinha Espanha pela elevada qualidade do que fazia toda a diferença no enchido.
Era este tesouro que ocupava a parte central da cozinha junto a um lume brando para que todo o enchido secasse sem se queimar e, muito menos cheirasse a fumo.
Agora já todos percebemos qual o motivo superior porque Rosalina não acompanhava o marido como todos os dias fazia!
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«Viver Casteleiro», opinião de Joaquim Luís Gouveia
Recordo com saudade as varas de enchidos que a minha Mãe tinha junto à lareira da cozinha, na Bismula. Tempos que já lã vão…