Alguém, um dia, oferecendo-me uma caneta, dizia: «Isto não é uma prenda. É um utensílio para escrever.» Era uma caneta encarnada, quase marron. Dois ou três fios de ouro longitudinais estampavam-lhe elegância e finura fazendo dela a minha caneta preferida.
À sua beleza cedo somei uma assídua utilização em escritos mais ou menos elaborados e foi através do uso que verdadeiramente a avaliei.
Tomando-a na minha mão, fi-la cúmplice de meditações e companheira de enlevos. Empunhando-a, falei de vidas, de sítios, de coisas que me abalaram e inquietaram profundamente e de quanto isso ecoou no meu espírito.
Admito, por conseguinte, que o meu velho gosto de arriscar o escrevinho de algumas prosas possa ter sido, por ela, sugestionado.
Ainda agora, há poucochinho, no findar vertiginoso desta tarde, andava eu de cabeça às voltas, em busca de assunto que pudesse suportar a presente crónica. Pouco ou nada me ocorria e devo confessar que a tarde estava prestes a entrar na noite sem inspiração nem uberdade. Ora, optando por abandonar as teclas do computador e saindo de casa como se me levantasse cedo para apanhar ar, reparei num bando de pássaros que esvoaçavam ziguezagueando no crepúsculo já tardio. Notei que o bater nervoso e excessivo das suas asas produziam imagens e sons encantadores.
– Que raio de pássaros tão ansiosos! – murmurei por dentro da escassa claridade.
Mas fui percebendo que a sua barulhenta volubilidade apenas buscava, no final de tarde, um conforto pré-noturno, tanto quanto eu procurava a tranquilidade que permitisse o eclodir do meu tema. Havia, sim, entre mim e os pássaros, uma idêntica tensão, a mesma necessidade de um eventual momento mágico. E, nessa magia, mais uma vez me senti fascinado pela tal ensimesmada caneta.
Procurei-a, então. Sosseguei-a na minha mão e sentei-me à mesa. Cruzei a perna. Lancei o olhar pela janela até ao infinito e tentei o enredo. Assim se me apagou a baça preocupação que me havia limitado o espírito e assim se me ofereceu a exata certeza de iniciar.
Recolhi-me, pois, em silêncios encetando um saboroso desenho de palavras. A tinta ia escorrendo e resultando em letras azuis e espessas e, aos poucos, fui fazendo nascer, um pouco à toa, esta minha crónica de hoje.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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