Não é fácil ter amigos no trabalho. Num mundo cheio de conflitos de «interesses» que fazem parte da natureza humana, as relações profissionais são muito mais ralações e problemas. No entanto, mesmo quando nos confrontamos, e nos debatemos, a educação ensinou-nos que nos momentos difíceis os colegas têm o dever de respeitar a fragilidade e as dificuldades que afetam e abalam quem não se pode defender. Mesmo nem sempre estando de acordo, hoje presto a minha homenagem ao meu colega Joaquim, vítima de uma doença grave e inesperada, mas que sempre soube nos momentos chave mostrar que teve uma educação, infelizmente, em decadência.
Mesmo tendo a mesma profissão, e área de especialidade, a visão da vida e dos problemas sempre foi bem diferente em cada um de nós. Trabalhámos juntos pouco mais de um ano, onde a fronteira física e a forma de estar era uma barreira constante à nossa aproximação profissional. No entanto, saindo deste contexto a conversa mudava de rumo encontrando um ser culto, estudioso e amigo do seu amigo. Talvez fosse esse aspeto que mais tenha aprendido com ele: «Trabalho é trabalho! Conhaque é conhaque!»
Neste curto tempo em que estávamos mais próximos retive alguns episódios que não posso deixar de esquecer. O primeiro, e o que mais me surpreendeu, foi ter ido ao lançamento do meu primeiro livro, sem nunca ter dado a entender. Fê-lo mesmo para me fazer uma agradável surpresa, tendo mantido durante semanas uma postura de afastamento e de silêncio quando se falava nesta minha proeza.
Uma outra situação que também retive foi passada na margem sul, onde tivemos uma reunião numa instalação vizinha de um bairro problemático. Estávamos no verão, seriam umas 20:30, onde a luz do dia teimava raiar. Subitamente correm para nós um grupo de crianças assustadas. Agarram-se ao portão e pedem guarida. Haveria um deles que já teria sido raptado sabe Deus para quê. Notei nele um desespero em querer ajudar. A proatividade passiva que demonstrava no trabalho revelou-se naqueles instantes numa tentativa de apanhar o criminoso e no malfeitor. Porém a zona onde estávamos não aconselhava «heroísmos» e acima de tudo tínhamos de «guardar» as crianças que nos pediram ajuda. Felizmente passou entretanto alguém que os conhecia e foram em segurança, também sem se saber até que dia. Quando fiz o serviço militar aprendi que o carácter das pessoas se revelava nas situações de stress e pressão, onde a tendência é o egoísmo e não ajudar o próximo. E o Joaquim não enganou.
Finalmente houve outro momento que nunca mais esquecerei: a despedida! O Joaquim mudou de funções e fez questão de se despedir de mim, alias como pessoa educada que é. Mas o que retive nesta sua atitude foram os pedidos de desculpas pelas situações que não decidiu a tempo. Embora aparentasse uma frieza que ocultava o sentimento, o facto é que conscientemente teve a noção que nem tudo terá corrido bem. E disse-o na hora do adeus!
Durante a escrita desta crónica, o Joaquim está muito doente. Não interessa o que tem ou o que sofre. Está muito mal e sem dúvida por se dedicar ao bom desempenho da sua missão, como profissional, pai, marido e filho. Só que a pressão da vida não se compadece muitas vezes com a consciência e esta muitas vezes nos deita abaixo. E nem sempre de forma meiga!
Tal como me surpreendeu no dia do lançamento do meu primeiro livro, também agora espero-o surpreender quando poder ler este texto. Acredito que nunca o esperaria. O meu sentido pragmático nem sempre se compadece com estas «etiquetas» e na realidade não deixa de ser verdade. É a primeira vez que manifesto publicamente um sentimento de amizade a um colega que nem sempre houve uma relação profissional de pontos de vista comuns.
Em Inglaterra aprendi que é preciso saber perder mas acima de tudo ganhar. E essas competências eram bem vincadas nas aulas de educação física. A vida é um jogo complexo de vitórias e derrotas, seja em casa, no trabalho, no desporto, nas discussões entre amigos e tantas vezes na nossa consciência.
E o Joaquim tinha esse dom. Sabia comportar-se com nobreza em qualquer das situações.
Nesta luta que agora trava, cabe-me a minha vez de lhe enviar um profundo abraço porque sem dúvida, pessoas como Joaquim, há poucas.
Fica para a nossa história profissional comum Silveira dos Limões. Um dos nossos primeiros trabalhos que, com sucesso, conseguimos resolver. Sem dúvida que foi um desfio muito complexo. Mas o estudo do Joaquim e o aspeto prático da equipa que chefiava possibilitou resolver um problema que se arrastava no tempo e que trazia prejuízos desnecessários.
Figueira de Castelo Rodrigo, 12 de Outubro de 2018
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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“Em Inglaterra aprendi que é preciso saber perder mas acima de tudo ganhar. E essas competências eram bem vincadas nas aulas de educação física. A vida é um jogo complexo de vitórias e derrotas, seja em casa, no trabalho, no desporto, nas discussões entre amigos e tantas vezes na nossa consciência.”- Todos os dias ensino isto aos meus alunos é mais dificil saber ganhar do que saber perder…
Forte Abraço
Miguel