Pode dizer-se que o telemóvel é um «universal» dos tempos atuais; tornou-se um dos bens mais essenciais, ao ponto de ninguém, ou quase, poder viver sem ele. Pode dizer-se, claro, mas é um manifesto exagero; já falar da dependência daqueles que o usam não parece exagerado.
O telemóvel, sobretudo o smartphone, criou uma dependência visível. Por todo o lado, o que vemos são pessoas, mais novas e mais velhas, com um telemóvel nas mãos: consultando, lendo, enviando mensagens (quase já não se fala, ao telemóvel), tirando fotografias, fazendo vídeos, ouvindo música, jogando ou passando o tempo das inúmeras formas possíveis.
Julgo que uma das razões dessa dependência tem a ver com a sensação de companhia e de proximidade a tudo e a todos, ainda que virtual; com a sensação de que, se estivermos ligados, não vamos perder nada do que consideramos importante. Outra das razões tem a ver com a eficácia e a economia com que muitos organizam, naquele pequeno aparelho, toda a sua vida pessoal e até profissional.
Mas, um dia qualquer, da-mo-nos de conta de que é pura tecnologia: precisa de uma bateria (que descarrega a toda a hora), de um carregador e de eletricidade; pode cair e partir-se; ficar inoperacional, por outro qualquer motivo. Então, por que confiamos numa coisa tão frágil? Confiamos, porque sabemos que podemos comprar um novo, na loja ao lado, e, se não esquecermos os códigos e as palavras-passe, acederemos a tudo sem grande dificuldade– é o milagre da desmaterialização e a crença generalizada de que as bases de dados, em «nuvens digitais» ou onde seja, são seguras.
Dar tudo como adquirido e em contínua evolução, tem sido o habitual. Não colocamos nenhuma questão: nem as dificuldades no uso; nem a falta de antenas seja das redes móveis ou da internet; nem a falta de energia; nem a falta de dinheiro para pagar o tarifário… Se alguma destas situações se nos depara, lá, continuamos de telemóvel na mão, invadidos por uma síndrome de abstinência que pode levar a grande stress e a manifestações de uma dependência que é real.
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«Rostos e Contextos», crónica de Maria Rosa Afonso
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