Logo que o verão se transfaz em outono, ainda sob os escombros do calor, abre-se o desponte de prévias imagens inverniças. Os primeiros frios e os anoiteceres outonais hão de sugestionar quenturas e crepitares de lareira.
A mesma melancolia que nos faz crer que a fogueira protela o tempo, também posiciona as saudades algures, em campo neutro, entre o passado e o futuro. O que, na realidade, se verifica é a confusão das recordações do inverno com a ânsia de que ele se repita renovando os seus sons e ambientes rotineiros. Às lembranças sobrepõem-se os desejos dos bafejares do vento, da neve ou da geada, enfim, das gélidas brancuras em oposição aos frios cinzentos. Espera-se que a chuva humedeça e faça persistir os tons escuros que envolverão memórias e protegerão recordações.
Ao evocar o Inverno logo se me instala o inabalável desejo de que se perpetue o borbulhar agressivo da água do meu ribeiro que me embalou tantas noites e me deu informações precisas sobre o tempo que faria nos amanheceres seguintes. Encanta-me esse riacho enverdecido que se encoleriza e enegrece por alturas de temporal. Há escassas décadas, opunham-se-lhe margens fecundas onde a fúria da corrente causava estragos. Mas, sempre que as águas fluíam meigamente, elas irrigavam os chãos e tornavam-se fonte de vida. Agora, o regato segue entre campos maioritariamente selvagens onde reinam as ervas daninhas. Só já os choupos e os freixos se lembrarão de outras paisagens quando as flores primaveris transmutavam em frutos amadurecidos no final de cada verão.
Enraíza-se, então, a vontade de que o advir mantenha e repita as recordações mais significativas, fiel a cores, aromas e sons, rendados no tempo, tecidos nos dias, reconstruídos nas mentes.
Seguir, simples e naturalmente, esboçando momentos e memórias em desenhos de palavras torna-se, assim, uma consequência cativante.
Não se trata, claro, de pinturas mas de quadros de memória que, aconchegados com carinho, serão lançados em público esperando que a dança da fraseologia seja suficientemente engenhosa e capaz de espelhar a poesia, a beleza e o enlevo que os cenários contêm.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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