E lá iniciei a minha vida na rua D. Dinis… Tenho de dizer que a entrada na rua é, ainda hoje, triunfal, pois a mesma começa no arco de entrada na Vila, e na torre do relógio. Ainda guardo uma cicatriz no joelho que espetei nas proteções metálicas que impediam (ah! ah! ah!) a subida à torre… Era nesta torre que ficava a sirene dos bombeiros que era comandada manualmente a partir de uma caixa embebida na parede.
O início do lado esquerdo da rua era e é constituído pela antiga muralha, a qual deixava de estar à vista porque nela assentava a palheira do meu avô, a nossa casa, a casa do meu avô e, penso, as casas seguintes.
O primeiro troço da rua, até ao pequeno largo, a partir do qual a rua se bifurca em dois troços, passou a ser o meu centro de vida.
Era uma zona da «Vila» que, no fundo, representava o que era um pouco o Sabugal naquela altura, pois ali conviviam estratos populacionais diversos: professores primários como a D. Graça e mais tarde a minha Tia Judite; funcionários administrativos (como o meu pai, o Manel Alfredo, o sr. Arnaldo que, curiosamente ainda lembro com uma taberna neste largo e, mais tarde o meu Tio Fausto); agentes da autoridade, sobretudo guarda republicanos, como era o meu avô, entretanto reformado, o sr. Figueira, pai do meu grande amigo Figueira, o marido da Josefina Simões, ou o pai (já não recordo o nome) de uma das grandes amigas que ali ganhei, a Janita; sapateiro, pai do meu grande amigo, o Carlitos barbeiro que trabalhava na primeira casa do lado direito, que era do meu avô e mais tarde foi comprada pela «Ti Pidenta» mãe de um dos meus bons amigos, o Manel; alfaiate Ti Manel Mineiro, que tinha a alfaiataria ao cimo da rua santo Condestável, avô do meu grande amigo Zé Manel que não se ofenderá se revelar que tinha a alcunha de «Bonanza»; modista/costureira Menina Miquinhas que vivia na casa do Largo com uma maravilhosa varanda em madeira suportada por colunas de granito e onde vivia também a Sra. Justina; padeira (?) Ti Maria Arrais, tia avó de outra grande amiga, a Amélia. (como me deliciava a ver a Ti Maria Arrais a fazer os célebres rebuçados de açúcar que eram vendidos na Sra. da Graça…).
Mas ali vivia também todo um conjunto de pessoas, desde a Sra. Carriça ao Feiucha (na casa onde mais tarde viveu a mãe da Maria Cecília, outro exemplo de como a deficiência não era obstáculo à convivência), passando pela Glória Parroa (vivia na Casa do Dom Dinis) e, mais tarde, os pais doutro grande amigo, o Júlio (hoje, infelizmente, numa cadeira de rodas fruto de um AVC), pelo Zé Zirra, não esquecendo essa figura misteriosa (para nós garotos) que era o Aurélio, jardineiro que vivia num buraco na própria muralha.
Curiosamente esta também era uma zona do Sabugal que, desde muito cedo, assiste à saída de gente para fora, essencialmente, zona de Lisboa, como foram os casos dos donos da casa onde funcionou a taberna, da irmã do Mário Pitorra ou das filhas do Ti Manel Mineiro, uma para Lisboa e outra para Seia, após o seu casamento com um dos grandes animadores musicais de Seia, o Manel de Seia.
O ramo da rua onde morava a Ti Maria Arrais, levava a dois dos pontos mais intrigantes e apaixonantes para garotos como eu: a Quelha, ponto de fuga das nossas brincadeiras, lugar sombrio e, para nós, assombrado (era uma prova de coragem atravessar a quelha pela primeira vez, e se fosse de noite ainda maior!…) e a rua, hoje chamada Conde do Sabugal (sabe-se lá porquê), que, para além de nos levar ao Largo do Castelo, era onde habitava a Ti Páscoa, dita benzedeira e mãe de um dos meus grandes amigos, o Mário Páscoa.
Um espaço assim, era claro que criava laços entre garotos e garotas de idades semelhantes, não só ali moradoras, como atraídos pela brincadeira.
Mas, e no que diz respeito a amigos e brincadeiras, deixemos para a próxima semana…
ps. Terça, dia 7 os bombeiros do Sabugal comemoram mais um aniversário. E vamos fazer a festa junto ao novo Quartel, já em fase adiantada de construção!
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«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Setembro de 2007)
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Caro Amigo Ramiro: Continua a deliciar-nos com essas maravilhosas crónicas!
Um abraço