A Rua Principal terminava no Largo da Câmara… Há memórias tão fortes deste Largo que, por certo, algo vai escapar a este reviver do «meu» Sabugal.
A memória mais forte vai para o edifício do Tribunal e da Cadeia, mais esta que aquele, pois bem me lembro dos presos às janelas com grades falando com quem estava cá fora. Era medo e respeito por gente que a imaginação transformava em, sei lá, heróis? Malfeitores de banda desenhada?
Também era ali que, uma vez por ano, os jovens do Concelho iam às «sortes». Eram vários dias de folia e festa a que voltarei um dia.
No 1.º andar, hoje o salão nobre da Câmara, funcionava o tribunal, onde, mais tarde, me deliciava com as intervenções dos advogados, sobretudo o dr. César Tavares, figura única de advogado e líder da oposição local a Salazar, com o gabinete por cima da loja, agora, do sr. Alfredo, aonde se chegava por uma escada exterior em granito.
Era célebre o acordo que se dizia existir entre ele e o Padre Soita, que fazia com que trocassem de jornal – O Padre Soita lia a Época e o dr. César a República – e, dizia-se, só começavam a discussão depois de terem lido o jornal do adversário…
Naturalmente outra memória central prende-se com o café do sr. Abílio, que comecei a conhecer muito cedo graças à minha amizade com o Zé Cipriano.
Que delícia poder estar perto de figuras como César Tavares, Padres Soita, Júlio e Machado, dr. Raul, dr. Adalberto, sr. Esagui, sr. Tita, e tantos outros cuja memória não permite identificar.
Era um café à antiga, de mesas redondas com base metálica e pedra de mármore e cadeiras metálicas com assentos e costas em madeira escura. Nas paredes espelhos refletiam e prolongavam o espaço.
Como relembro o sr. Abílio (sei que a sua guitarra que tão bem tocava está na posse de um dos seus netos), a Dona Lurdes, a Lena e, ainda muito pequena, a Talinha.
Havia depois a fonte onde muitas vezes fui à água com a minha avó nos tempos em que ainda não havia água canalizada na sua casa.
Junto à fonte costumava haver mulheres a vender peixe, pão e fruta. De entre essas mulheres, lembro, como vendedeiras de peixe, a Ti Cila (avó da Ofélia), A Maria do Peixe (casada com o Ti Augusto cantoneiro), a Maria Cândida (sogra do Tó Bixa) e a Maria (?) (mulher do Ti Zé Ramos); a vender pão lembro a Ti Maria dos Anjos (que vivia à Misericórdia), e a Albertina do Amaral (mãe de uma figura bem conhecida, o Mudo); a vender fruta só me lembro da Ti Cília (mãe do meu grande amigo Zé Fernando, funcionário da Câmara).
Era ali que eu e a minha irmã, ainda crianças, comprávamos, na altura, um quarteirão de figos, que eram sempre 26 para não discutirmos…
Ao lado da casa onde ficava o escritório do dr. César havia (e há) uma quelha que dava para as traseiras das primeiras casas da Rua Principal. Também nessa zona havia uma casa onde me lembro de viver o sr. Vitorino, chefe da polícia.
Mas o Largo era também o centro dos mercados, duas vezes por mês. Se não me engano, ali se vendiam sapatos, fruta, legumes e carne, continuando pela av. das Tílias abaixo e prolongando-se pelo Largo de São Pedro.
(quando haverá coragem para repor os mercados no centro da cidade?)
A casa conhecida pela casa do dr. Raul fica ligada à criação do Colégio do Sabugal, pois foi onde teve as suas primeiras instalações. Embora ali tenham estudado os meus tios Judite e Horácio, já não me lembro da sua existência.
Desta casa lembro, isso sim, o consultório do dr. Raul, a quem meu pai pagava uma avença anual para que fosse o nosso médico, situação que só se alterou quando foi criada a Caixa e o médico passou a ser o dr. Adalberto.
Lembro-me igualmente de ali funcionar mais tarde, com entrada pela av. das Tílias, se não me engano, a sede do Sporting, penso que depois de ter deixado a casa do arco, propriedade do Corracha. Era nesta casa do arco que, ainda muito pequeno, ia aos fins-de-semana ver os programas infantis numa das poucas televisões que havia no Sabugal.
No Largo ficava ainda a Câmara onde, naturalmente nunca entrei naquela altura, mas lembro muito bem o fascínio que me despertava a farmácia do sr. Eduardo Alves, pai da minha grande amiga Maria Domingas, local para onde ia espreitar sempre que podia, pela magia que emanava daqueles frascos e utensílios de farmacêutico.
Ao lado do café, onde mais tarde funcionou a cabeleiraria do sr. Fernandes ficava o comércio do sr. Zé Gonçalves, de balcão corrido, onde ainda trabalhou o meu padrinho Horácio antes de ir estudar. E que fascínio/medo me despertava o boneco grande preto que, afinal, era um relógio em que os olhos se moviam à cadência do pêndulo…
O largo terminava na alfaiataria de Joaquim Pires, onde mais tarde o meu grande amigo «Carlitos» oficiou na tesoura e na navalha.
Ter saudades dos meus tempos de meninice e juventude não me levam a dizer que antigamente é que era bom…
Mas olhando para este Largo e, tirando as intervenções feitas nos edifícios do Tribunal, da Câmara e da farmácia, tenho de dizer que era muito mais bonito tal qual o recordo.
Nota: Muitos amigos e amigas têm admirado a minha memória. É claro que me lembro de muitas coisas, mas tenho também amigos que me lembram outras…
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«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Setembro de 2007)
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