Tenho sempre o mesmo cuidado: recordar as coisas do meu tempo de menino e dar-lhes a dignidade com que as sinto. Hoje fui buscar umas ideias aqui deixadas há uns anitos – e que acho que merecem não ser esquecidas… Veja se concorda comigo…
Cada terra tem sua maneira de falar – e esse elemento cultural (a Língua, património imaterial nosso) caracteriza cada terra, cada zona.
Ouvindo bem, eu sei se uma pessoa que esteja a falar e eu a oiça bem é da Raia ou é dali da zona mais amena e mais a Sul, já a escorrer para Caria; sei dizer se é de Penamacor ou do Fundão, claro. Isso é a cultura no seu melhor e mais ao natural… O linguajar é um elemento central da identidade. Alguns exemplos comezinhos para situar a coisa.
Os tchões, lembra-se?
No Casteleiro, os terrenos de cultivo são tchões. E um rapaz pequeno é um garoto. Nada de apanha da uva: isso são mas é as vindimas. Nada de uvas: e sim os gatchos. E são apenas dois exemplos.
Gosto de escrever estes pequeninos apontamentos etnográficos. Acho que tenho esse dever de honra. Foi por isso que um dia escrevi aqui no «Capeia»:
«A minha forma de homenagear as gerações anteriores à minha é esta: repor os hábitos, os costumes, as recordações deles. Repor o seu linguajar, tanto quanto eu tenha competências (= conhecimentos) para tanto. Infelizmente isto não é fácil, porque as gerações vão-se sucedendo – e eu fico meio misturado dentro do cérebro.»
Recapitulando: tudo na aldeia daquele tempo da minha meninice girava à volta dos «tchões» – ou seja, dos terrenos de cultivo. Só era tchão o terreno não muito grande (isso era uma quinta) e cultivado. Se fosse só floresta, não era tchão. Há dois anos escrevi a propósito:
«… mais um gesto de amor ao meu torrão natal: falar dos locais, de cada pedaço. Hoje falo então dos tchões. Cada família tem os seus, todos juntos fazem o nosso Casteleiro… Aos terrenos de grande dimensão ou muito afastados da aldeia julgo que não era hábito chamar-lhes tchões. Por exemplo, os meus tios quando iam para Gralhais diziam isso: «Vamos para Gralhais a ter com o Padrinho.» Não se dizia «para o tchão de Gralhais». Mas por exemplo se se tratasse de Cantargalo, que era um terreno mais pequeno e mais perto, já diziam: “Vamos ao tchão de Cantargalo”».
Tempos complicados
Eram tempos complicados, esses, também. Dinheiro, escudos no bolso, muito poucos em todas as casas. Fartura de produção das hortas e dos campos, nem sempre e não em todas as casas. Grão, feijão e batata. Centeio. O porco, onde era, para o ano inteiro. E assim se passava. Batata frita em azeite era um acepipe. Um ovito estrelado de vez em quando, se as galinhas andassem bem dispostas. E era um pau.
Feijões: que delícia
Comia-se o quê? A alimentação diz muito sobre uma família, uma aldeia. No Casteleiro daqueles dias, a batata e o pão centeio eram a base da alimentação, juntamente com o feijão pequeno. A esse propósito, escrevi:
«Feijão pequeno – comida de segunda? Os feijões pequenos sempre foram tidos como comida de segunda. Tchítcharos, era o que lhes chamavam na Raia, á espanhola – e para dizer que era comida de segunda, comida de pobre. Julgo que era assim que as coisas funcionavam naqueles tempos difíceis. Sei de pelo menos uma casa abastada onde só se comiam feijões pequenos todas as noites. Sei de outra (casa comercial e tudo) onde as papas feitas com água e sem leite eram a alimentação diária. Mas, isso, eram ricos sovinas. A maioria dos consumidores de feijões pequenos (dizia-se sempre no plural, atenção) era formada pelos deserdados da sorte – e eram a maioria».
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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