Quadrazais, terra raiana do concelho do Sabugal, foi o berço de Jesué Pinharanda Gomes, que nasceu em 1939, a 16 de Julho, verão pleno. Numa longa entrevista que nos deu em 2011 (há sete anos), o pensador e escritor quadrazenho, que recentemente foi agraciado com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade da Beira Interior, contou-nos como foi a sua infância.
O dia em que Pinharanda Gomes nasceu a aldeia estava mergulhada em acalmia, com o povo nos campos, onde os ranchos de ceifadores progrediam, cegando as searas sob o sufoco abrasador, cantando em coro para ganhar ânimo. Mas enquanto a mãe sentia as dores do parto um drama invadiu Quadrazais: uma casa de habitação pegou fogo, os sinos tocaram a rebate e o povo acudiu em alarido à aldeia, deixando os campos.
Os pais do novo rebento, Josué Pinharanda e Luísa Rodrigues Bicheira, eram modestos lavradores, gente remediada, ainda que os antepassados paternos fossem descendentes da antiga nobreza rural de Riba-Côa, importante língua de terra fronteiriça, votada ao abandono pelos governos do país.
Nesse tempo de extrema miséria, no ocaso da guerra civil de Espanha e nos alvores da II Guerra Mundial (iniciada mês e meio após o nascimento de Jesué), o recém-nascido vingou, resistindo à teia da mortalidade infantil que nesse Verão abafado e faminto afectou as aldeias da raia ribacudana. Seria um lutador, como o foram os jovens dessa geração, nascidos das agruras da vida, sobrevivendo a uma infância carregada de privações e dificuldades.
Porque os pais se dedicavam à lavoura, difícil e ingrata actividade, o moço, filho único e menino do caco, não conheceu a verdadeira fome, ao contrário do que sucedia em muitos lares vizinhos, onde faltavam o pão e as batatas, alimento comum do aldeão.
Em Quadrazais uma boa parte do povo dedicava-se a contrabandear mercadorias com a vizinha Espanha. Mas a lide do contrabando era na altura uma ténue sombra dos tempos áureos do negócio transfronteiriço ilegal, que haviam trazido a Quadrazais a fama de ninho de contrabandistas. Agora, boa parte dos quadrazenhos andava de «ambulante», correndo Portugal de lés a lés, com machos carregados de fazendas que vendiam em mercados e de porta em porta.
A questão do registo de nascimento das crianças não preocupava os pais das aldeias raianas, que eram gente pouco dada à escrita e às obrigações impostas pelos «cães de vila», epíteto dado aos funcionários das repartições do Sabugal. O menino a quem foi posto o nome do pai, Josué, foi registado fora do tempo, indicando-se como data de nascimento o dia 7 de Outubro. Facultando essa data «falsa» evitou-se a habitual coima por não se ter efectuado o registo no prazo legal.
A família do Josué, seguira a tradição ancestral de arar os campos, semeando para depois colher o fruto da terra. A guerra invadira a Europa e na aldeia lusitana os tempos eram de acentuada escassez. Se para o comércio a vida ia má, tirante o novo negócio do minério, na lavoura só se colhia e arrecadava o necessário para enganar o estômago.
Mau grado as carências materiais, a infância em Quadrazais era feliz e arrebatadora. Este povo, de boa índole, cultivava com preceito a amizade e a camaradagem. A ajuda mútua, a parceria nas aventuras do contrabando, era algo do quotidiano, e isso passava dos adultos para os mais novos. O moço Josué, era, em verdade, como os demais da sua terra. Com todos brincava e convivia em são companheirismo, no feliz e encantador ambiente aldeão.
Numa entrevista efectuada em 2011, pedimos a Jesué Pinharanda Gomes que nos falasse sobre a sua família e a vida em Quadrazais quando ele era menino.
A longa entrevista foi dividida em três partes que serão publicadas no Capeia Arraiana. Nela o filósofo quadrazenho revela a sua ascendência paterna e materna, descreve a forma como se vivia na aldeia, como se relacionava com as outras crianças, como aprendeu as letras antes de ir para a escola, como tomou consciência da existência de Portugal como país e desvenda ainda a razão pela qual o Josué, que era o seu nome, daria lugar a Jesué, que é o nome que oficialmente detém.
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«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
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O jesué é o orgulho da nossa nossa terra
Nascemos à distância de 5 Km e com intervalo de 2 anos e 4 meses!