De volta à Policia do Torel. Dificuldades na criação da secção da LIC. Leigo empenhado e respeitado. Inauguração de estátua a Salazar.
14 de Outubro de 1947
Fui à Polícia do Torel acompanhado pelo Dr Soares Luiz. É um advogado respeitado pelos polícias, pelo que me trataram com o devido respeito e consideração, coisa que não sucederia se ali fosse desacompanhado.
Respondi a todas as perguntas, rebatendo com a verdade as mentiras do merceeiro, o sabujo amante de minha mulher. A mentira é um grande pecado, e ainda mais o é se com ela alguém pretende causar dano ao próximo, como é aqui o caso.
Se Cristo disse que o demónio é o pai da mentira, então o odioso merceeiro é o próprio demónio em pessoa, ou então trabalha a seu soldo.
17 de Dezembro de 1947
Tenho dado o meu esforço para a fundação da secção da Liga Independente Católica na freguesia de Arroios. Em Junho deste ano foram inscritos como associados os senhores Alberto Cortês, Carlos Ribeiro, Rodrigo Alfaiate e Jaime Ornelas, para os quais me foram entregues os bilhetes de identidade da Liga e os respectivos emblemas.
O caso é que não se fez uma única reunião até Outubro, apesar dos esforços empregues junto do Padre Pio para tal fim, que respondia sempre vagamente, adiando a questão, sem motivos de causa. Que era preciso vir uma pessoa da direcção diocesana, que se metiam as férias, que seria melhor guardar para Outubro, esperar que todos regressassem de férias, que era melhor mil e uma coisas… Nada resolvia, só empatava!
O prior abandonou a freguesia durante os meses de Agosto e Setembro e foi para a terra de férias, deixando este e outros assuntos por resolver. Voltou na primeira semana de Outubro e continuou a empatar, sem nada resolver nem deixar que eu resolvesse. Já havia cinco meses que eu andava com os bilhetes de identidade na algibeira na persuasão de que na sede julgariam que queria ficar com o dinheiro.
Por fim resolvi, já em fins de Novembro, ir ao encontro dos interessados e fazer-lhes a entrega dos bilhetes e dos emblemas, mesmo sem serem benzidos.
No dia 14 de Dezembro, por ocasião da festa Vicentina da Acção Católica, fui convidado pelo Dr. Henrique Gorjão, da direcção da LIC, a comparecer numa reunião, na terça-feira, dia 16, pela 21 horas, na igreja de Arroios.
No dia marcado, chegou a hora e nada. Aproveitei o tempo para assistir à novena que se estava a celebrar na igreja e, pouco a pouco, foram comparecendo os senhores Carlos Mota, Dr. António Mourão, Dr. Henrique Gorjão e, por fim, o prior. Foram-me chamar à igreja dizendo que era uma pressa. Saí imediatamente e, quando na sacristia, o padre Pio encarou comigo, parecendo possesso.
– O que vem para aqui fazer? Tenha paciência mas vá-se embora, porque não pode assistir à reunião da LIC. Vá para a LOC* que é onde deve pertencer, porque é funcionário público.
– Também é desejo meu transitar para a LOC, mas primeiramente quero sentir o desejo, há tanto esperado, de ver a LIC fundada e em bom andamento. Quero ir satisfeito.
– Mas é para a LOC que deve ir, por ser funcionário.
– Ele também já nos disse que quer passar para a LOC, interveio o Dr. Henrique Gorjão, que assistia ao diálogo e conhecia o meu propósito.
– Eu até já pedi na direcção diocesana para me passarem para a LOC, por ser esse o meu desejo, acrescentei.
Mas o Padre Pio esta zangado comigo e apontou-me as faltas.
– O senhor andou para aí a distribuir emblemas e bilhetes de identidade sem autorização, quando só depois de um ano de estágio é que são entregues, depois do noviciado, após se experimentar a pessoa.
Tive que me defender com unhas e dentes daquele celerado:
– Mas que noviciado ou estágio, se nada ainda foi fundado? Mesmo na direcção diocesana devem saber melhor que o senhor prior, que nunca assistiu a nenhuma reunião nem nunca fundou nenhuma secção da Acção Católica. Saiba que o que entreguei não o pedi, antes mo deram para ser entregue. Eu não queria andar com os emblemas e os bilhetes de identidade durante meses na algibeira, como acabei por andar, por capricho do senhor prior que não marcava esta reunião. E mais lhe digo: que é na assembleia-geral da Acção Católica que impõem os emblemas e os benzem, não cabendo fazer isso aqui pelo senhor prior.
– Bem, bem. O senhor não pode assistir à reunião! Vá para a LOC e desampare a loja.
Não valia a pena continuar a fazer frente aquele canalha, que há muitos anos faz de mim seu ajudante e burro de carga. Voltei-lhe as costas e saí, voltando a entrar pela porta principal para assistir à novena do Natal, que ainda estava a celebrar-se.
27 de Dezembro de 1947
Na igreja sempre me respeitaram enquanto leigo. Não pertencendo à classe dos clérigos, pois nunca tive a oportunidade de estudar no seminário, encontrei-me feliz por ser colaborante permanente, em especial na igreja de Arroios, onde sempre louvei e respeitei o reverendo padre Pio.
Mas ultimamente o prior embirra comigo por dá cá aquela palha e na contenda que mantenho com a minha mulher mostra tomar o partido dela, ainda que a Maria Aldina nem se dê ao trabalho de frequentar a igreja.
12 de Janeiro de 1948
Ontem estive presente na inauguração da branca escultura de Leopoldo de Almeida, que as Mães portuguesas ergueram ao Dr António Salazar, agradecidas pela política que poupou o sacrifício dos seus filhos à inclemência da Segunda Guerra Mundial.
O Jardim da Imprensa estava pejado de gente, entre figuras oficiais e muito, mas muito povo, e eu observei ao longe a justa homenagem ao nosso Pai da Nação, que merece todas as bênçãos.
*LOC: Liga Operária Católica
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«Diário de Joaquim Salatra», por Paulo Leitão Batista
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