Nas décadas de 1960 e 1970 a emigração clandestina para França teve por principal palco a zona raiana do concelho do Sabugal, onde a fronteira se atravessava «a salto», usando os «serviços» de passadores experientes. Continuamos a analisar o «estado da arte» em termos académicos.
Para se ter uma noção mais precisa das taxas totais de emigração, pode recorrer-se ao estudo de Michel Poinard, onde se refere que na Freguesia de Fóios, pertencente ao concelho do Sabugal, a População reduziu em 57%, entre os anos de 1960 a 1980, certamente, segundo o autor, uma redução provocada pela emigração para França, à qual não é alheia a prática enraizada da atividade do contrabando.
De facto se tivermos em atenção as estatísticas do INE, verifica-se que, em termos globais, a população do concelho do Sabugal, reduziu-se de 38.062 em 1960, para 18.927 em 1980, o que corresponde a uma diminuição superior a 50%.
Outro exemplo paradigmático da taxa total de emigração no concelho do Sabugal é a Freguesia de Quadrazais, uma das mais habitadas do concelho, que entre 1950 e 1980 perdeu 75% da sua população, segundo Luís Cunha, professor da Universidade do Minho, no seu estudo, apresentado no V Encontro Ibérico de Antropologia, em setembro de 2009.
Jorge Gaspar, que dirigiu uma monografia de Figueiró dos Vinhos, patrocinada pela Câmara Municipal, serve-se do exemplo do concelho do Sabugal, para se referir aos concelhos onde o intenso fluxo emigratório corresponde a uma diminuição muito significativa da população.
Se tivermos em atenção os dados do INE, referentes ao Recenseamentos Gerais da População, 1950, 1960 e 1970, verifica-se que entre 1960 e 1970, o concelho do Sabugal foi, de todos os concelhos da Beira Interior (Alta e Baixa), aquele que apresentou a taxa de crescimento populacional negativa mais acentuada, com -4,92%, correspondendo a um crescimento negativo de -15.087 habitantes, valor que em termos absolutos também suplanta todos os outros concelhos da Beira Interior. Por outro lado verifica-se, segundo as mesmas estatísticas, que o distrito da Guarda ao qual o concelho do Sabugal pertence, só foi suplantado pelo distrito de Beja ao nível do crescimento populacional negativo, com -2,89% e -2,99%, respetivamente.
Se atendermos aos dados fornecidos por Tony Judt, verificamos que entre 1951 e 1981, o concelho do Sabugal perdeu 24.339; Por outro lado segundo o INE, 15.087 habitantes foram perdidos entre 1960 e 1970, o que corresponde a mais de 61% da redução populacional no período mencionado.
Se se considerar que entre 1960 e 1969, a emigração legal no concelho do Sabugal se saldou em 9.790 indivíduos, facilmente se poderá extrapolar que no mesmo período a emigração ilegal, correspondeu a cerca de 5.297 indivíduos, o que representa cerca de 2,4% do total das saídas ilegais a nível nacional. Há obviamente que considerar outros factores, apesar de todos os estudos apontarem a emigração como a principal causa da diminuição da população.
Segundo os mesmos dados do INE, verifica-se que entre 1970 e 1980, o concelho do Sabugal apresenta uma taxa de crescimento em termos absolutos de -3.973 habitantes, só suplantado pelo concelho de Idanha-a-Nova com -4.398. Entre 1970 e 1980, o concelho do Sabugal apresenta-se como o quarto concelho com maior taxa de crescimento negativo, com -1,87%. No mesmo período ao nível distrital, a Guarda apresenta-se como o terceiro distrito com maior taxa de crescimento negativo com -0,24%.
O facto de o distrito da Guarda e em particular o concelho do Sabugal, ter perdido nos anos 70 a liderança dos saldos migratórios negativos, parece facilmente explicável por dois motivos, o primeiro prende-se com o facto de ter existido uma emigração muito acentuada nos anos 60 e o segundo encontra-se certamente ligado à melhoria das condições de vida proporcionadas aos que ficaram, fruto das remessas de capitais dos que emigraram.
A propósito do desenvolvimento económico do Sabugal originado pela emigração, Michel Poinard afirma no estudo já referido que, após um decréscimo da atividade económica provocada pela emigração, as remessas de capitais, a partir de finais dos anos 70, provocaram um desenvolvimento do comércio local, acompanhado de um surto de instituições bancárias na vila do Sabugal.
Se atendermos aos dados globais referentes aos anos de 1960 a 1980, o concelho do Sabugal supera largamente todos os outros da Beira Interior. Em termos nacionais, surge como o concelho onde percentualmente as taxas de crescimento negativo da população foram maiores.
A emigração legal no concelho do Sabugal representou entre 1960 e 1964, 3.8% da emigração total portuguesa e entre 1965 e 1969, 2.7%.
Relativamente ao distrito da Guarda, a emigração legal no concelho do Sabugal representou entre 1960 e 1964, 25.1% de toda a emigração e entre 1965 e 1969 26.4%.
Ao nível de estudos e iniciativas sobre a temática, refira-se por último os estudos de entidades oficiais, como o Instituto nacional de Estatística (INE), estudos conduzidos por organismos como o Observatório da Emigração, estudos conduzidos no próprio ISCTE-IUL, diversos colóquios sobre a temática, como por exemplo os realizados pelo IHC-FSCH-UNL, em 21NOV2012 e 23 e 24 de setembro de 2013, periódicos onde, quando em vez é abordada a temática, como é o caso do jornal on-line «Capeia Arraiana», dirigido por Paulo Batista e José Carlos Lages.
As obras e as referências sobre a temática são inúmeras, de facto o Interior, não raramente é encarado como território empobrecido, mas não deixa de ser exaltado por literatos enquadrados em várias correntes ao longo de épocas sucessivas.
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«Emigração Clandestina», tese de mestrado de Rui Paiva
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