Nas décadas de 1960 e 1970 a emigração clandestina para França teve por principal palco a zona raiana do concelho do Sabugal, onde a fronteira se atravessava «a salto», usando os «serviços» de passadores experientes. Vejamos o «estado da arte» em termos académicos.
O estudo da emigração portuguesa tem sido objeto de diversos trabalhos, não pretendemos aqui elencar todos os estudos já realizados, o que além de inexequível, pouco interesse teria para a investigação da temática. O importante aqui prende-se com os estudos ligados à problemática que se pretende investigar.
No início do século XX, a emigração atingiu níveis elevados, tendo alcançado as 89.000 saídas em 1912. Com o início do 1.º primeiro conflito mundial a média de saídas reduziu-se para 19000, entre 1914 e 1918. Nos anos 20 as saídas aumentaram, sendo depois reduzidas no início dos anos 30, devido à situação económica e encurtadas ainda mais significativamente com o decorrer da II Grande Guerra.
A partir de 1949, os valores da emigração aumentam consideravelmente, passando de uma média anual de 8450 entre 1939-1945, para 17300 em 1949 e 33600 em 1950, tendo aumentado nos anos seguintes. A partir de 1974 verifica-se uma descida contínua da emigração em Portugal.
Relativamente aos valores da emigração clandestina para França, opta-se aqui por recorrer à análise das estatísticas oficiais. Os números de emigrantes clandestinos, obviamente não são exatos, no entanto todos os estudos apontam para valores elevados, o que poderá indiciar uma atitude permissiva dos poderes públicos, aliada a uma forte vontade de emigrar da população, exponenciada por motivos de ordem económica, social e política.
Verifica-se que o fenómeno se acentuou a partir do início dos anos 60, entre 1960 e 1974; Segundo o estudo elaborado pelo autor, as saídas para França terão atingido as 939.980, sendo que 538.885 terão sido feitas de forma clandestina, o que corresponde a 57.3% da população emigrada no período.
A partir do final da década de 1950 a emigração portuguesa começa a modificar-se, abandona o vetor Atlântico e passa a concentrar-se em maior número nos destinos continentais, em especial na França.
Com o fim da II Guerra Mundial, surge a necessidade de reconstruir uma Europa Central que se encontrava dilacerada, sendo para tal necessária mão-de-obra estrangeira. Para além disso, as precárias condições de vida em Portugal, potenciaram o desenvolvimento de redes clandestinas de emigração ilegal, com travessias «a salto» e consequentemente um redirecionamento dos fluxos migratórios portugueses. O ano de 1963 pode ser considerado o ano de inversão definitiva dos fluxos migratórios, pela primeira vez os números da emigração portuguesa para França, superam a emigração portuguesa para as Américas, com 22.420 portugueses para a América, 11.281 dos quais para o Brasil e 29.843 para França.
Em 1962, o Estado Português, com o intuito de regular a emigração, promulga o Decreto-Lei n.º 44.4276, aprovando o regime emigratório em Portugal, onde foi estabelecida, a liberdade de emigração, pelo menos na aparência legislativa.
Posteriormente foram assinados acordos de recrutamento de emigrantes entre França e Portugal, tanto nos anos de 1963 como em 1964, no entanto, as necessidades francesas eram demasiado elevadas para aquilo que o Estado Português estava disposto a ceder. Existia o problema de escassez de mão-de-obra no país, o que poderia provocar um aumento dos salários; a emigração foi por isso restringida, não tendo o Estado colaborado com França na forma como se tinha comprometido.
Em 1970 seria promulgado, o Decreto-Lei n.° 402/70, de 22 de Agosto que criou o Secretariado nacional de Emigração (S.N.E.), extinguindo a Junta de Emigração. O S.N.E., foi orientado para uma emigração Continental, com funções executivas, nomeadamente representar o Estado na negociação de acordos internacionais e de apoiar os emigrantes no estrangeiro.
O trabalho de António Barreto e Carlos Almeida, trouxe-nos uma imprescindível investigação, analisando os fluxos emigratórios no que concerne à emigração clandestina, à evolução numérica, às características profissionais dos emigrantes, às características sociais, à origem dos emigrantes e aos países de acolhimento. Na obra analisam-se as causas da emigração, atribuindo à situação económica do país o motivo principal da vaga de emigração. Para além disso a influência da emigração no sistema económico e as suas inter-relações, são também objeto de apreciação por parte dos autores.
Abordando o mesmo assunto, Sousa Ferreira elabora um estudo em 1976, sobre a emigração clandestina, analisando também a questão das remessas de capitais por parte dos emigrantes e as consequências económicas que daí advieram.
Sobre a temática da emigração clandestina, Humberto Moreira analisou as vicissitudes da travessia da fronteira, «a salto» (sem passaporte), pelos trilhos e veredas, com o apoio dos «passadores», analisando também as causas da emigração, nomeadamente as económicas, sociais e políticas.
Sobre os dados estatísticos das migrações portuguesas, Rui Pena Pires, Fernando Machado, João Peixoto e Maria João Vaz, elaboraram um estudo patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde abordam, entre outras questões, as migrações por distrito de origem.
Segundo Jorge Arroteia foi no concelho do Sabugal que se registaram as primeiras saídas em massa de população com destino a França.
Arriscamos aqui dizer que para além de se terem registado as primeiras saídas massivas para França, o concelho do Sabugal, terá sido também das regiões portuguesas onde se registaram as primeiras saídas com destino a França, no período pós II Guerra Mundial, muito antes da vaga de emigração massiva que se registou a partir de 1960; «… 1947, emigraram os primeiros … de Fóios…»; «… emigrei aos 16 anos [1956] … eu já lá tinha família…»; «…aos 18 anos, eu mais o meu pai… fomos para a França…, fui em 1956…»; «… já tinha lá uma tia e um tio…».
Sobre as condições de trabalho dos portugueses em Paris, Teixeira de Sousa, publica um artigo em 1974, onde elabora um estudo sobre a importância da emigração nos países industrializados, considerando que os fluxos migratórios vão no sentido dos países subdesenvolvidos para os países desenvolvidos. Por outro lado, aborda também as questões dos movimentos sindicais e da integração dos migrantes nos mesmos, concluindo que se verificou um «…quase completo afastamento em relação aos sindicatos…»; Outra das suas conclusões foi que à época a mão-de-obra estrangeira, constituía «…um mecanismo de exploração capitalista ao serviço das classes dominantes…».
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«Emigração Clandestina», tese de mestrado de Rui Paiva
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