Dedicar algum tempo a observar, sentir e refletir certos temas da sociedade é essencial para harmonizar a vida.
Após o término do ano letivo anterior, reparei, por razões específicas, mais atentamente no ano letivo que há semanas se iniciou e, consequentemente, nas sucessivas etapas capazes de influenciar o acesso ao ensino superior.
Ainda não vai longe o tempo em que muitos dos jovens que terminavam o ensino secundário tinham uma dificuldade imensa em conseguir vaga no ensino universitário. Era uma procura difícil. Dela dependia o rumo das suas vidas. Dada a escassez de lugares, que, à época se verificava, raramente a escolha se relacionava com a vocação. Não eram, portanto, demasiadas as perspetivas de que a juventude viesse a fazer na vida o que mais gostava e desejava.
Mas, como diria o poeta, este mundo é feito de mudança. Nada é, portanto, eterno e as mutações sucedem, por vezes, da forma mais inesperada. Hoje proliferam cursos e lugares. Outdoors, faixas, publicidade em jornais e noutros meios de comunicação sensibilizam os alunos para a entrada nos institutos e nas universidades. Nisso não haveria qualquer problema se, após tamanha tempestade de anúncios, se viesse a verificar uma escolha absolutamente consciente e livre. Mas o que na realidade sobrevém é uma intoxicação proveniente de uma (des)informação alheada dos verdadeiros interesses dos alunos falseando oportunidades e facilitando desigualdades.
Perante esta lógica mercantilista e, face à natureza das mensagens disponibilizadas será lógico refletir sobre os cursos que os jovens acabam por buscar e o porquê da sua escolha. Optarão, eles, por cursos de «nome» os chamados cursos nobres ou será que preferem cursos que se lhes afiguram mais rentáveis a mais curto prazo? Por outro lado, os alunos oriundos de classes sociais mais baixas ou de zonas mais desfavorecidas veem limitadas, entre tanta oferta, as suas hipóteses de escolha por razões económicas. Na realidade, aos cursos que a sociedade mais valoriza chegam, com mais facilidade, os alunos de classes sociais com maior poder económico.
Verificando-se estes condicionalismos impõe-se questionar para onde é relegada a vocação. Afinal, a mudança verificou-se mais na forma do que na essência, foi muito mais aparente do que real.
Estamos, então, longe (ou cada vez mais longe) de uma sociedade que forneça aos jovens informação isenta e condições que lhes permitam depender apenas do seu trabalho e das suas capacidades permitindo-lhes examinar e seguir cada um a sua própria vocação na procura de uma vida mais promissora e mais feliz.
Não será, certamente, com propaganda agressiva disfarçada de informação vantajosa ou com o aumento de hipóteses de escolha viciadas que o problema se vai menorizar.
A complexidade do tema requer ponderação e busca de soluções sólidas que não podem ser confundidas com experiências de curto prazo suscetíveis de inviabilizar uma verdadeira e profícua formação académica dos jovens, sendo esta a base do desenvolvimento de uma sociedade.
Eis um bom tema sobre o qual se impõe refletir. Ou será imensuravelmente mais fácil assobiar para o lado?
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Amigo Capelo :
« Na realidade aos cursos que a sociedade mais valoriza chegam, com mais facilidade os alunos de classes sociais com maior poder económico »
Sabes porquê amigo Capelo ? Porque os pensamentos dominantes numa época, são sempre os pensamentos da classe dominante.
Por isso é que os alunos das classes sociais com maior poder económico têm mais facilidade de chegar àqueles cursos que « (…a sociedade mais valoriza (…) » porque são os que representam o pensamento da classe dominante e, como é lógico, têm dinheiro.
Não te lembras do que o Camilo Lourenço disse dos professores de História ? A caneta mercenária das classes dominantes ?
António Emídio