Se o nosso povo português tiver capacidade de (sobre)viver nos próximos tempos, logo o observarão a filosofar sobre tudo o que lhes foi imposto durante estes anos.
Embora Portugal já não seja o país mais desigual na União Europeia, ainda apresenta um dos índices mais elevados, o que lhe permite continuar a ser dos Estados-membros com uma distribuição do rendimento mais desigual. Comprometemo-nos, em linha com a estratégia Europa 2020, com a redução de 200 mil pessoas em risco de pobreza e/ou exclusão social até 2020.
Contudo, em 2013, havia 2,9 milhões de pessoas nessa situação, mais 100 mil do que 2008. Atingir a meta de atenuar o risco de pobreza e exclusão não se afigura mais do que uma miragem utópica, sobretudo se continuarmos a seguir uma lógica de políticas esvaídas do social e repletas de ideologia de direita neoliberal.
O Estado Social é necessário para a redução do risco social, e sabe-se que se não fosse a sua intervenção, a exclusão e a pobreza bateriam à porta de muito mais gente. Neste momento fala-se em 19 por cento da população em risco de pobreza. Mas se o Estado Social atenua o risco social da incerteza, qual o interesse em fragilizar aquilo que conquistámos no pós-revolução? É verdade que o momento em que criámos o Estado Social coincide com a fragilização dos Estados Sociais existentes noutros países. Agora estamos nós em crise. Não apenas em crise financeira mas também numa crise social. Se não fossem as transferências sociais, neste momento, Portugal teria 47 por cento da sua população em risco de pobreza. E a tendência é de crescer.
Embora o risco de pobreza para a população com mais de 65 anos tenha caída visivelmente, o mesmo não aconteceu nas outras camadas demográficas. As reformas altas? Ou os vencimentos baixos dos outros? Seja o que for, o certo é que estamos na linha de batalha inter-geracional. É uma das consequências da crescente austeridade imposta e assumida.
Os mais velhos chamarão de incompetentes e de parasitas aos mais novos (sem trabalho) e os mais novos chamarão de aproveitadores e de usurpadores os que tiveram uma carreira «limpa», no mesmo emprego, ao longo de uma vida, sem terem corrido qualquer risco e sem terem tido qualquer ou pouca habilitação para tal. É uma linha muito ténue e subtil a que separa gerações que transportam índices de bem-estar distintos. A quem interessará esta luta de gerações? Aos mais velhos (pais e avós) não! Mas como virar a página e como responder aos milhares de jovens que aguardam uma possibilidade? Esses jovens não serão decerto uns mandriões.
Em 2013 mais de um décimo da população portuguesa enfrentou uma situação severa de privação material. Estes não pediram a austeridade. De certeza absoluta! Não tinham um emprego estável. E julgo que nem todos seriam mandriões!
É o Estado no seu melhor. No latim existia uma expressão muito elucidativa: «primum vivere, deinde philosophare», ou seja «primeiro viver e só depois filosofar». Se o nosso povo português tiver capacidade de (sobre)viver nos próximos tempos, logo o observarão a filosofar sobre tudo o que lhes foi imposto durante estes anos. Não é uma ameaça. É uma certeza. Quando não se tem o essencial pensa-se só na subsistência para o dia-a-dia. Quando tal é alcançada há tempo para a reflexão e a atitude coletiva de mudança e transformação. Tenho dito.
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«Desassossego», opinião de César Cruz
César:
As eternas verdades da Social – Democracia – crescimento, pleno emprego, estabilidade financeira, incremento real dos salários, pertencem a outros tempos, deram origem a um período histórico deveras antimoral e anti-humano, o que atravessamos presentemente, onde a ética desapareceu da política.
António Emídio