Eis uma questão que necessita de ser esclarecida: existe ou não uma identidade coletiva assim reconhecida pela maioria dos naturais do Concelho do Sabugal?
Ou dizendo de outra forma, é possível referir um conjunto de características que sejam entendidas pelos sabugalenses como «suas»?
Dizia em maio de 2012 o meu grande amigo Zé Carlos Mendes que, e cito: «O concelho do Sabugal é de uma grande diversidade de gentes. Confirmo todos os dias uma coisa interessante: o Casteleiro não pertence à Raia; nós, na minha terra, não somos arraianos.»
Tive na altura a oportunidade de comentar, dizendo: «Li a tua crónica e temo que a mesma induza a uma conclusão errónea, a de que Concelho do Sabugal rima com Raia… A diversidade das 40 freguesias do nosso Concelho é tal que a sua identidade não se confina com o espírito raiano. A identidade dos sabugalenses é um caldo que mistura todas estas realidades sociais e territoriais e é isso que a distingue de tudo o resto.»
Como se vê esta discussão em torno da identidade sabugalense tem antecedentes e, se a ela volto, é porque considero que, cada vez mais, temos de encontrar uma base comum onde nos reconheçamos enquanto sabugalenses.
O atual Concelho resulta de reformas administrativas anteriores juntando as paróquias que pertenciam aos termos do Sabugal (Aldeia do Bispo, Aldeia Velha, Foios, Lageosa, Nave, Quadrazais, Rendo, Ruivós, Ruvina, Sabugal, Souto, Vale das Éguas, Vale de Espinho, Vale Longo e Vila Boa), Alfaiates (Alfaiates, Aldeia da Ponte, Forcalhos e Rebolosa), Vilar Maior (Aldeia da Ribeira, Badamalos, Bismula e Vilar Maior), Sortelha (Águas Belas, Aldeia de Santo António, Bendada, Casteleiro, Malcata, Moita, Penalobo, Santo Estêvão e Sortelha), Vila do Touro (Quintas de São Bartolomeu, Rapoula e Vila do Touro), Guarda (Lomba, Pousafoles e Seixo do Coa), e Castelo Mendo (Cerdeira).
Por outro lado, o Concelho é como que dividido ao meio pelo rio Coa, situando-se na sua margem direita as freguesias de Aldeia do Bispo, Aldeia da Ponte, Aldeia da Ribeira, Aldeia Velha, Alfaiates, Badamalos, Bismula, Foios, Forcalhos, Lageosa, Nave, Quadrazais, Rebolosa, Rendo, Ruivós, Ruvina, Sabugal, Soito, Vale de Espinho, Vale das Éguas, Vale Longo, Vila Boa, Vilar Maior, e na sua margem esquerda Águas Belas, Aldeia de Sto António, Baraçal, Bendada, Casteleiro, Cerdeira, Lomba, Malcata, Moita, Pena Lobo, Pousafoles do Bispo, Quintas de S. Bartolomeu, Rapoula do Coa, Santo Estêvão, Seixo do Coa, Sortelha, Vila do Touro.
Saliente-se que as freguesias da margem direita pertenceram anteriormente aos concelhos de Alfaiates, Sabugal e Vilar Maior, enquanto os da margem esquerda pertenceram aos concelhos de Castelo Mendo, Guarda, Sortelha e Vila do Touro. Nenhuma freguesia pertenceu aos concelhos de Penamacor ou Belmonte.
Não admira assim que o Zé Carlos Mendes tenha chamado a atenção para o muito que separa as duas metades do Concelho, embora me interesse mais salientar o que, quanto a mim, constitui o caldo em que assenta a identidade sabugalense.
É que se muito separa estas duas metades, também muito as liga.
Saliente-se, antes do mais, que a existência do rio Coa nunca isolou as duas margens, pois desde muito cedo se construíram pontes sobre este rio e sobre outras linhas de água, com um maior desenvolvimento aquando da permanência dos romanos na Península – vias romanas Castelo Branco–Salamanca, Conímbriga-Guarda-Salamanca e Cerdeira-Vilar Maior.
As duas margens do rio Coa e as populações ali residentes tinham, pelo menos desde os romanos, vias que lhe permitiam atravessar aquele obstáculo natural, vias estas que, facilitando as ligações locais, nos ligaram desde sempre quer aos centros urbanos do litoral, quer a Castela e à Europa.
E se, com a independência de Portugal, o rio Coa se constituiu como fronteira natural, o que terá, talvez, justificado a (re)construção dos castelos «portugueses» de Sortelha e Vila de Touro na margem esquerda e de Alfaiates, Sabugal e Vilar Maior no lado castelhano, logo com D. Dinis o conjunto dos cinco castelos funcionou como defesa de Portugal face ao perigo de invasões castelhanas…
Como tentarei demonstrar na próxima semana tal me leva a afirmar que o rio Coa e a sua bacia hidrográfica constitui um dos pilares da identidade sabugalense…
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ps1. Comemorando os 90 anos de outro dos maiores poetas portugueses, falecido o ano passado, António Ramos Rosa, a Assírio & Alvim edita uma coletânea dos seus poemas, a que deu o título de «Poesia Presente».
Escrevo esta crónica ouvindo pela milésima vez Fausto e essa obra imensa «Por este rio acima».
ps2. Um momento de vaidade paterna com mais dois filmes produzidos pelo meu filho – «A Lã e a Neve» e «As Cidades e as Trocas» -, ambos a concurso no festival «DOC-Lisboa» deste ano.
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«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Setembro de 2007)
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Caro Zé Carlos
Obrigado pelas tuas palavras.
Conheço-te bem para saber do teu amor ao Concelho do Sabugal e, particularmente à parte deste território a que o Casteleiro pertence.
Tenho, no entanto, uma divergência que, sendo teórica, tem profundas implicações na questão da(s) identidade(s).
Parece resultar do teu comentário uma sobrevalorização quase exclusiva da base histórica na construção de uma identidade regional.
Ora, para mim, a identidade regional assenta num conjunto mais alargado de dimensões colectivamente absorvidas e percebidas, a saber: o espaço físico/território, as questões ambientais/paisagísticas/natureza, a população/relações humanas/vivência colectiva, a cultura/história comum e a economia.
É a consideração de todas estas dimensões e a sua relevância para o Concelho do Sabugal que me levam a dizer que existe uma identidade sabugalense que resulta do somatório de identidades locais específicas, mas a partir das quais é possível encontrar denominadores comuns.
Penso aliás que não estaremos tão longe assim um do outro…
Um abraço sabugalense
Meu caro,
Este assunto é muito complexo para mim.
As vivências históricas de séculos é que podem definir uma identidade regional.
Eu acho que as vivências históricas da minha aldeia (Casteleiro) e de outras terras do Concelho que é o meu são muito diversificadas.
Mas uma vez escrevi sobre isto a sério e daí surgiram logo especulações do género: separatismo, disseram – parvamente.
Como se eu rejeitasse o meu Concelho!!
Como se eu quisesse fazer a História andar para trás!!
Eu apenas registei dados históricos…
Hoje, ofereço-te mais meia dúzia de raciocínios, a ti e aos teus leitores:
1
Os dois coutos
http://www.csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG103_14.pdf
2
Identidade regional desde D. Dinis que criou a região da Beira
http://pt.wikipedia.org/wiki/Beira_Interior_(regi%C3%A3o)
3
Beira Baixa e Beira Alta
Sortelha, termo a que o Casteleiro sempre pertenceu até 1855, pertencia à Beira Baixa. Sabugal era já Beira Alta.
4
Sortelha (e portanto o Casteleiro) sempre foi da Beira Baixa.
Sabugal e Guarda até 1936 eram da Beira Baixa. Depois, entram para a Beira Alta.
Ver:
– http://pt.wikipedia.org/wiki/Beira_Alta
– http://pt.wikipedia.org/wiki/Beira_Baixa
5
«Em 1855 Sortelha deixou de ser sede de concelho, tendo cedido poderes ao concelho do Sabugal. Ficou então como sede de freguesia, dependente da Comarca e Bispado da Guarda (até então permanecera ao Bispado de Castelo Branco)».
Ver aqui:
– http://www.turismoserradaestrela.pt/index.php/pt/rotas-turisticas/turismo-cultural/rota-das-aldeias-historicas/item/118-sortelha
Ramiro,
Tu sabes tão bem como eu que esta coisa é toda muito complicada e que de vez em quando, quando nos queremos esclarecer e transmitir as conclusões a que chegámos, somos logo apontados a dedo e mal interpretados.
A mim está sempre a acontecer-me.
Mas isso não me afecta.
A História não tem botão para ser desligada.
E estas coisas da identidade regional só pode ter uma base sólida: a base histórica.
Um abraço.