:: :: SORTELHA (1) :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais de um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».
Sortelha é uma das mais antigas vilas do país. Diz-se que ali habitaram os romanos e, se a tradição não tivesse visões de verdade, natural seria que a habitassem os indígenas romanizados. Podia ter sido um castro, mesmo povoação importante, devido à situação em que estava, mas isso é hoje impossível averiguar-se com a precisão que seria de desejar em assunto desta ordem.
Situada no alto de um elevado monte, entre rochedos escarpados e penedias inacessíveis, e cercada ainda hoje de elevadas muralhas, aqui e além derrocadas, Sortelha está a 14 quilómetros a Poente do Sabugal e a 275 a E. de Lisboa.
Do alto dos seus muros denegridos pelos anos descortina-se um variado horizonte, dos mais belos que poderíamos observar em todo o concelho, sobretudo do lado ocidental da vila, um pouco além da porta ainda hoje existente na muralha.
Ao fundo deste monte, onde está edificada a antiga vila, mandada povoar por D. Sancho, há uma outra povoação, a E., denominada o Arrabalde, que tem actualmente 86 fogos, perto do qual corre um ribeiro, o Palómas, cujas águas cristalinas vão despenhar-se no vale do Poio, que fica entre Sortelha e a Serra do Troviscal, para se unirem à ribeira do Casteleiro, a poucos quilómetros de distância.
Junta-se-lhe, perto do Arrabalde, o Ribeiro dos Amigos, junto do qual há uma nascente de águas férreas. Deixemos o Arrabalde e subamos a Sortelha, pela íngreme e sinuosa calçada, formada de grossos blocos de granito; penetremos na antiga vila transpondo a grande porta do Nascente, a poucos passos do sítio da Forca, percorrendo as ruas estreitas empinadas, sinuosas, feias, ladeadas de feios casebres, onde a cal nunca se maculou, construídas de toscas pedras, rudemente trabalhadas, cujo estilo não desperta as atenções do visitante.
As mais antigas foram construidas com pedra igual à das muralhas, todas de cantaria.
Perto da cidadela vê-se a antiga casa da câmara, onde estão alojadas as escolas e o tribunal do juízo de paz, respirando tudo pobreza. Nos baixos era a cadeia, cujas grades de ferro ainda estão muito sólidas, valentes, sendo das mais seguras e higiénicas que nesses tempos havia.
Nesta casa vimos um sino que era do antigo relógio, cuja torre tinha desabado.
Fica a poucos passos o pelourinho, ainda bem conservado, em muito bom estado, vendo-se no coroamento da coluna, que é de duas pedras sobrepostas e muito singelamente trabalhadas, tendo do lado norte um anel, sobrepujado por uma esfera com outro (1).
A pequena distância fica também a cidadela, para onde se entra por uma ampla porta depois de se percorrer um pequeno espaço de terreno ao qual dava acesso outrora uma outra porta, há muito desaparecida.
No recinto da cidadela, que é de poucos metros quadrados, existia antigamente uma prisão e existe ainda a cisterna, Depois de subirmos, não sem dificuldade, até ao cilo de aspérrimos e elevados rochedos, chegamos à torre de menagem, edificada sobre elevadíssimos e inacessíveis rochedos (do lado exterior) penetrando-se nela com dificuldade e risco de nos despenharmos no abismo. A torre é de pequenas dimensões, mesmo porque a grande altura dos rochedos e condições especiais destes dispensavam maior altura, para a tornarem inexpugnável.
As muralhas da cidadela, também assentes em rochedos escarpados, ainda conservam as seteiras e guaritas nos ângulos e acham-se pitorescamente revestidas de hera, essa trepadeira tão amiga das ruínas.
Entre a cidadela e a casa da Câmara existe uma porta na muralha, dês- te lado já muito arruinada, por terem aproveitado a pedra para construções.
Uma profunda tristeza se apodera de quem entra nesta vila, um mal estar invade logo o nosso espírito ao contemplar a negrura das muralhas e das casas em ruínas, agravado ainda pela ausência de vegetação no interior, porque em volta apenas existem alguns metros cúbicos de terreno nos pequenos, microscópicos quintais, cuja produção é excessivamente escassa. O silêncio na vila é aterrador! Não era terra de regalos, era a fortaleza sólida, garantida contra as investidas do inimigo.
Transpondo, porém, as portas do Poente, que impressão diferente se experimenta, que agradável panorama se nos oferece!
Avistam-se cidades e vilas e inúmeras aldeias. A Guarda e Castelo Branco e, mais perto, a Covilhã, ostentam a sua grandeza, tornam mais brilhante o quadro que se desenrola por muitas léguas, entre campinas e vales e intermináveis serranias, que têm por fundo a grande Serra da Estrela.
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Nota
(1) – O anel é alusivo ao nome da vila – Sortilia (de sors), sortija em espanhol; Sortilia significava, como anulus, anel de carácter talismânico (Ver Archeologo, Vol V pág. 66).
Como melhor pode ver-se no foral que Sancho 2.° deu aos povoadores, do qual damos um excerto: «In dei Domine. hec est karta de foro, quam jussi facere, Ego Sancius Secundus dei gratia portugalensis Rex, vobis populatoribus, quam futuris, tam ilis quam ibi venistis et habitastis a tempore avi mei, quam eis qui ibi venistes de populatione de Valencia, quam cciam (sic) omnibus aliis qui ibi venerint populare de omnibus terris».
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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