:: :: BARAÇAL :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais se um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».
É a mais nova das freguesias do concelho do Sabugal. Situada numa encosta, a poucos quilómetros do Côa, na margem esquerda deste rio, é uma pitoresca povoação, muito arborizada, e abundante em águas, colhendo muito centeio, trigo, feijão, batata e castanha, tendo começado ali a plantação da vinha pouco antes da invasão da filoxera.
A povoação ocupa uma área grande, relativamente ao número de vizinhos, atendendo a que as casas estão muito espaçadas e entre elas há muitos quintais, onde se produzem boas hortaliças.
Cria também muitos gados, porque possui muitos lameiros e belíssimas pastagens naturais.
Em 1889 tinha o Baraçal 118 fogos e 454 almas. A povoação fazia parte da freguesia da Vila do Touro, sendo maior do que esta, de que distava perto de dois quilómetros. Tinha boa igreja e cemitério contíguo a esta e ordinariamente capelão, pago à custa dos vizinhos, muito generosamente, só para se livrarem do incómodo de ir à missa à sede da freguesia, de que há muito desejavam os habitantes separar-se.
Em 1897 tentaram a separação para se constituírem em freguesia juntamente com as Vinhas, Moinhos e Roque Amador. Lavravam entre os dois povos grandes rivalidades,. havendo várias desordens, em diferentes anos.
O pároco tornara-se incompatível com os fregueses do Baraçal, queixando-se estes dele ao Bispo da Guarda.
As rivalidades deram lugar a que o pároco, padre António Telles, e Francisco Jorge, do Baraçal, que era um dos principais influentes e promotores da autonomia da povoação, respondessem em processo de polícia correcional, sendo este condenado a trinta dias de prisão e aquele em custas e sêlos.
Igreja paroquial do Baraçal
À entrada da nova freguesia e do lado da Vila do Touro ergue-se a singela igreja paroquial, regularmente construída, tendo altar-mor e dois laterais, bem ornados.
Perto dela está o cemitério, há muito construído à custa da povoação, porque, embora ele fosse preciso, há muitos anos se preparava para a independência, que constituía toda a sua ambição.
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Em 8 de Abril de 1900 era sepultado civilmente (?) um indivíduo que havia falecido havia já oito dias, porque nem o pároco queria sepultá-lo, nem os do Baraçal isso consentiam.
Durante o tempo em que existiram as rivalidades os baraçalenses não baptisaram os filhos, nem celebraram casamentos, havendo muitas crianças de três e mais anos por baptisar.
Em 1904, o Arcebispo-Bispo da Guarda, D. Manuel de Matos, dava autorisação ao pároco da Rapoula, povoação próxima, para binar e dizer missa no Baraçal, depois que esta povoação representou àquele prelado, queixando-se amargamente do pároco, padre A. Teles, com quem se tornara incompatível, demonstrando-lhe que a povoação estava em melhores condições de vida que a Vila do Touro, que no inverno era difícil ir lá e que juntamente com Roque Amador, Vinhas e Moinhos, podia o Baraçal constituir freguesia, único modo de acabar com as inimisades e evitar as graves consequências que delas poderiam resultar, ao mesmo tempo que se punha termo a uma situação mais que anormal entre duas povoações religiosas.
O Arcebispo aceitou as razões e encarregou, corno dissemos, o padre António Maria, pároco da Rapoula, de ali binar, ficando livres ao pároco da Vila do Touro todos os direitos paroquiais.
Finalmente, por decreto de 19 de Maio de 1904, foi concedida a autonomia ao Baraçal, determinando-se a criação duma paróquia, com a invocação do Espírito Santo e ficando composta dessa povoação e dos lugares de Quinta das Vinhas, Roque Amador e Moinhos.
A portaria de 18 de Dezembro nomeou uma comissão encarregada de proceder à demarcação dos limites, composta dos seguintes indivíduos:
Clemente José Gomes, condutor de obras públicas na Guarda (e natural da Vela); José Augusto Lucas, empregado na Repartição da Fazenda do Sabugal; Joaquim Fernandes Simões Júnior, proprietário, do Baraçal; Manuel Martins Simões, proprietário, da Vila do Touro e José Augusto Martins raiva, amanuense da administração, que seria o secretário. Esta comissão só procederia aos trabalhos no caso das juntas de paróquia não chegarem a acôrdo relativamente à divisória dos limites, acôrdo que não teve lugar, como veremos.
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Antes de prosseguirmos vamos transcrever o decreto de 9 de Setembro de 1904, que determina a separação do Baraçal, Vinhas, Moita e Roque Amador, da Vila do Touro:
«Attendendo ao que me representou o competente governador civil, e visto o disposto no artigo 3.°, § 4.°, n.” 3.0, do Codigo Administrativo: hei por bem separar da freguezia de Nossa Senhora da Assunção de Touro, concelho do Sabugal, os logares do Baraçal, Quinta das Vinhas, Roque Amador e Moinhos, para constituirem urna parochia independente, com a respectiva sede na dita povoação do Baraçal, concordando assim a circunscrição administrativa com a ecclesiastica, estabelecida no decreto de 19 de maio ultimo. O Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino, assim o tenha entendido e faça executar. Paço em 9 de setembro de 1904. = Rei. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.»
(Diario do Governo n.º 203, de 12 de setembro de 1904).
O decreto de 19 de Maio a que se refere aquele que acabámos de transcrever é do teor seguinte:
Decreto de 19 de maio: Determinando que, pelos meios competentes, e no uso da auctorisação concedida na Carta de Lei de 4 de Junho de 1859, e no artigo 3.°, § 4º, nº 3, do Código Administrativo, se proceda á criação de uma parochia, com a invocação do Espirito Santo, e sede no logar do Baraçal, que actualmente pertence á freguezia de Nossa Senhora da Assunção do Touro, no concelho do Sabugal, districto da Guarda, ficando a nova parochia composta dessa povoação e dos logares de Quinta dos Vinhos (em vez de Vinhas), Roque Amador e Moinhos, os quais todos serão desanexados da referida freguezia de Nossa Senhora da Assunção do Touro. Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 19 de maio de 1904. O Conselheiro director geral, Visconde da Torre (D. n.º 112 de 21 de Maio).
A criação da nova paróquia prejudicava consideràvelmente o pároco da Vila do Touro, que tinha direitos adquiridos, e por isso os do Baraçal tinham obrigação de o indemnisar duma quantia não inferior a 3.000.000 de réis (três contos de réis); mas o acaso, que às vezes favorece uns, para desfavorecer outros, pôs termo às represálias entre o pároco e o povo e poupou este ao pagamento da indemnisação, porque, tendo adoecido, o padre António Teles falecia em Maio de 1904.
A morte do pároco não restituíu os dois povos ao antigo sossêgo, porque a separação aumentava discórdias entre eles e a vingança não tardaria a realizar-se.
O assassinato de um indivíduo em 1908 não foi estranho a isso, porque ódio velho não cansa.
É cêdo de mais para se apreciar com justiça a medida do govêrno, decretando a separação da Vila do Touro das povoações várias vezes aqui referidas, deixando a antiquíssima vila reduzida a uma pequena paróquia, sem talvez o facto ser compensado por benefícios para a nova freguesia e por isso nos abstemos de comentários.
Vamos transcrever o decreto que fixa os limites entre as duas freguesias:
Decreto de 21 de Novembro de 1906: Sendo incertos e contestados os limites das freguesias do Baraçal e de Nossa Senhora da Assunção, de Touro, no concelho do Sabugal;
Vistas as intormações officiaes e ouvidos o competente Governador civil e os corpos administrativos; e conformando-me com a consulta do Suppremo Tribunal Administrativo e com a proposta da commissão nomeada pela portaria de 18 de Dezembro de 1905 para o estudo local deste assumpto:
Hei por bem decretar, nos termos do art. 3.°, § 4.°, n.” 2.° do Codigo Administrativo, que os referidos limites fiquem sendo os indicados pela dicta commissão e fixados nas plantas que com este decreto baixam competentemente authenticados.
O Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino, assim o tenha entendido e faça executar. Paço em 21 de novembro de 1906. João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.
(Diario do Governo nº. 269, de 27 de novembro).
Vinhas
Esta povoação, que, como vimos, faz parte da freguesia do Baraçal, fica distante dela três quilómetros aproximadamente, numa encosta da margem esquerda do Côa, que passa a pequena distância.
O território das Virihas é bastante pedregoso; entretanto possui bons terrenos, principalmente perto do pequeno ribeiro que passa junto da povoação.
Apesar do nome, não existem ali vinhas, mas é provável que outrora as houvesse, como parece demonstrar-se ou pelo menos presumir-se do facto de haver lá muitas propriedades cercadas de muros altos, e que só era costume fazerem-se para as vinhas, para as defender e abrigar.
Na povoação existe uma ermida regularmente ornada. Tem 18 fogos e 60 almas. .
Quinta dos Moinhos e Roque Amador
Fica a primeira a perto de três quilómetros do Baraçal, junto do rio Côa e a pequena distância fica a Quinta de Roque Amador, pertencente a D. João de Alarcão, que é senhorio directo, sendo enfiteuta actualmente Joaquim Fernandes Simões, natural do Baraçal, e genro do faiecido José Ramos, que ali viveu.
Perto desta quinta há uns compridos pontões sobre o rio Côa, para passarem os povos que se: dirigem a Rendo, Vila Boa, Nave, Quadrazais, Souto e outras povoações da margem direita.
Perto desta quinta alveja uma ermida, onde se venera a imagem de N. S. dos Prazeres e onde todos os anos se celebra uma luzida festa, com pequena feira, na segunda-feira de Pascoela.
Os Moinhos têm três fogos e 18 habitantes.
É natural do Baraçal o p.e Jorge da Costa, da Companhia de Jesus, que vive quase sempre no colégio de S. Fiel.
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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