Mesmo que não quizessemos, a nossa vida, está sempre, num qualquer momento associada a um curso de água. Rio ou ribeira. No caso do Noémi também as grandes infraestruturas da linha da Beira Alta se associaram ao rio em cujas margens se desenvolvem. Permitir que no rio continuem a ser lançados produtos que o matam é criminoso. Que diz o sr. Presidente da Câmara da Guarda?

Na zona raiana toda a gente conhece o Rio Côa e por conseguinte o vale a ele associado, pois têm sido inúmeros os textos publicados que lhe fazem referência. Na verdade é quase impossível falar do Sabugal ou de Almeida sem se falar no Rio Côa, tal a importância que ele sempre teve e tem para as gentes que habitam as suas margens e em consequência o vale que o enforma.
Há para além do Côa outros cursos de água que, embora de menor dimensão, são igualmente importantes para os habitantes que com eles partilham parte do espaço que todos ocupam. (lembro-me do Noémi, da Ribeira das Cabras e da de Pinhel, da ribeiro de Boi, da de Aldeia da Ponte, etc). Todos têm a sua beleza e características próprias mas de certeza que existem particularidades que os diferenciam.
Hoje falarei do Rio Noémi e do Vale a ele associado, tentando apresentar uma imagem, a que eu tenho, tão precisa quanto possível desse Vale em que o actor principal é na verdade o Rio que corre no seu leito.
Falar sobre qualquer rio é sempre um agradável desafio principalmente para aqueles que durante muitos anos com o rio conviveram. E esse Rio é sempre o mais bonito, o maior e, quando o não é, é pelo menos o melhor.
Quanto maior for a diferença de cotas entre o leito dos rios e os montes confinantes, e bem assim a abertura da respectiva bacia maior tende a ser o caudal principalmente em alturas de grandes chuvadas.
No caso do Noémi, é um rio que nasce em Vale de Estrela, junto da estrada que liga a Guarda ao Sabugal.
Nasce à cota 1000, desagua no Rio Côa à cota 610 e tem sensivelmente um comprimento de 40 km.
O rio inicialmente corre no sentido Sul/Norte até à zona da Gata, iniciando aí uma inflexão para nascente em direcção ao Côa.
Depois de ter atravessado a aldeia do Barracão, na zona da Gata recebe as águas que vêm da zona norte da Guarda através do Rio DIZ.
Entre a Gata e a confluência com o Côa o rio banha ou passa próximo de Vila Garcia, Vila Fernando, Rochoso, Cerdeira, Miuzela, Pailobo, Monteperobolso, Castelo Mendo e Jardo.
O Vale do Noémi começa a acentuar-se a partir de Vila Garcia e à medida que o rio avança para a sua foz as elevações que lhe dão forma tornam-se mais acentuadas.
Apesar de a margem direita do Vale e consequentemente do Rio ser muito ingreme principalmente a partir da Cerdeira, a verdade é que o leito do rio possui também zonas de declive minimo que permitem a existência de espelhos de água como o da fotografia abaixo.

No final da margem direita do vale situa-se a povoação do jardo, que era uma anexa da freguesia de Porto de Ovelha. Esta zona do Jardo é muito Rochosa e de acesso difícil ou quase impossível a partir do RIO. O Jardo fica localizado na montanha originada pela confluência dos Rios Côa e Noémi e costuma dizer-se: no Jardo não se passa, vai-se lá e volta-se.
As margens do rio foram e nalguns casos ainda o são cultivadas com culturas de regadio proporcionando mantimentos para as pessoas das aldeias confinantes. Comprovando o aproveitamento das águas do Rio existem ainda no seu percurso centenas de noras, vários moinhos de água que já não funcionam e dezenas de pontões (a que chamamos Poldras), e algumas pontes que serão em alturas posteriores objecto de divulgação.
Ao longo de grande parte do vale do Noémi desenvolve-se um troço da Linha de Caminho de Ferro da Beira Alta entre a Guarda e Vilar Formoso. Esta linha embora continue a funcionar, nesta altura são numerosas as estações e apeadeiros que foram encerrados. É mais um contributo de uma empresa pública para a desertificação do interior.

Este troço da linha da Beira Alta foi construído abraçando o Rio. Na verdade desde a aldeia da Gata, em que a linha se desloca na margem esquerda do Rio até ao Rochoso onde atravessa o rio para a margem direita até ao Jardo onde de novo o atravessa para a margem esquerda, rio e Linha da Beira Alta são entes que se não perdem de vista.

O vale ainda é verdejante, possui vegetação formada essencialmente formada por amieiros, freixos e salgueiros e, quando observado da linha de comboio ou mesmo do comboio em andamento, podem admirar-se paisagens que neste contexto são únicas.
Nas últimas dezenas de anos o Rio tem sido alvo de agressões ritmadas pela ganância de quem, sem escrúpulos, nele despeja os mais variados detritos como se de um esgoto doméstico se tratasse. A agressão ao rio tem sido permitida pelas autoridades que, se fizessem juz às suas atribuições deveriam impedí-la, como é o caso da Câmara da Guarda.
Ao longo dos últimos anos, as populações e alguns residentes menos conformados e principalmente ofendidos têm vindo a denunciar esta situação por todos os meios ao seu alcance, publicando as mais variadas intervenções e provas das agressões cometidas e de que se destaca Crónicas do Noémi e também, embora com menor frequência o Capeia Arraina.
Estes focos de poluição do Rio, não são felizmente permanentes, (se fossem já não havia rio, havia esgoto) isto é, de tempos a tempos a unidade fabril faz descargas no rio e, nessa altura o aspecto que apresenta junto desse local e nos mais próximos é o que as fotos acima documentam. Talvez por isso e também por isso, o Noémi às vezes, e principalmente no inverno, fica zangado e agressivo como documenta a imagem abaixo.
O rio tem tido uma capacidade regeneradora de tal ordem que, mesmo passando por estes dramas e agressões ainda consegue manter principalmente nas zonas mais afastadas dos focos poluidores, quer a vegetação verde quer mesmo a fauna e a flora. Isso leva-nos a pensar quão limpo e puro seria o Rio, se nada disto tivesse acontecido, como no passado.

Não vamos calarnos enquanto este problema ambiental não for resolvido. Mas gostava de deixar no ar uma pergunta para quem tem a responsabilidade de resolver o problema pois admite e aceita que ele continue – A Câmara da Guarda – Quando deixarão de despejar no rio substâncias poluidoras que acabam por afectar toda a gente, animais e plantas para jusante?
«Do Côa ao Noémi», opinião de José Fernandes (Pailobo)
jfernandes1952@gmail.com
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«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
Caro amigo,
como sempre, muito pertinente e oportuno. É com prazer, e até emoção, rever o percurso da linha do comboio da Guarda até à ponte de ferro, com o Noémi bem colado. As poldras, as noras, os moinhos, as represas de vez em quando e o contraste mais agressivo já próximo da confluência com o Coa. As auto-estradas tiram-nos o prazer de disfrutar disto e muito mais …
Abraço
Amigo José Fernandes
Só posso dar-lhe os meus parabéns pelo excelente texto aqui publicado. Vale sempre a pena falar. Água mole em pedra dura tanto bate até que Fura…
Um abraço
Caro José Fernandes
Merece todo o apoio para a luta que pretende levar a cabo contra os crimes que hipotecam as gerações futuras por conta de uns tantos gananciosos e/ou inconscientes que em poucos minutos destroem o que a natureza levou centenas de anos a construir e levará outros tantos a reparar.
Apesar dos crimes ambientai estarem num patamar de condenação, legal e social, abaixo dos crimes de sangue, em minha opinião deveriam ser condenados exemplarmente com pena máxima, pois trata-se de um parricídio (morte da Mãe natureza).
Saudações