Apanhar peixe nos rios era uma necessidade das populações do Interior para conseguirem diversificar a sua alimentação. Os métodos utilizados para conseguirem esse objectivo nem sempre eram os oficialmente autorizados. Mas será que é crime pescar para comer apesar da forma utilizada na pesca?

Principalmente nas aldeias do Interior, até pelo menos à década de oitenta do século passado, a alimentação das pessoas estava limitada ao que se produzia na terra (vegetais e tubérculos) e aos animais domésticos que com isso se criava (carne). Mais raramente, da alimentação também fazia parte peixe, por norma bacalhau, e nalgumas ocasiões sardinhas conservadas em sal.
Consumir peixe fresco não era usual, pois, para além das dificuldades económicas por que a generalidade das pessoas passava o que dificultaria a sua aquisição, os próprios agentes económicos, na ausência de vias de comunicação, não arriscavam deslocações frequentes para o Interior.

Por tudo isto, comer peixe fresco, só poderia acontecer se as pessoas o pescassem nos rios. Os rios do interior do país e principalmente os da zona raiana felizmente que eram ricos na produção de peixe pois as características ambientais das águas proporcionavam uma reprodução e crescimento notáveis que de ano para ano sempre se repetia. Eram águas límpidas e oxigenadas pela corrente que durante grande parte do ano se mantinha nos rios e ribeiros mais pequenos, e que era constante nos de maior dimensão.
Assim para se conseguir ter peixe fresco havia que pescá-lo. As espécies mais vulgares nestes rios e ribeiros eram o bordalo e o barbo, já que a truta dificilmente se consegue apanhar destas formas.

Para pescar usavam-se várias técnicas conforme a altura do ano e o caudal do rio. Em Março e Abril os rios têm um caudal ainda apreciável, em função do inverno que tinha terminado. Nessa altura, e nas zonas mais baixas de água dos leitos era costume construir armadilhas para conseguir apanhar os peixes. Usava-se o galrito, que como pode verificar-se permite a entrada dos peixes e dificulta a sua saída depois de terem entrado.
O galrito era instalado dentro da água, por norma em zonas com areal, à noite e com a boca voltada para montante, de forma a que a água corrente o mantivesse aberto e esticado.

Era usual, colocar ramos de amieiro presos na areia, dispostos em cone no sentido da corrente com o galrito instalado na zona do cone. Durante a noite, os peixes circulam na água e quando vêm os ramos dos amieiros têm tendência a deslocar-se ao longo deles para poderem encontrar uma passagem. Quando a encontravam, entravam no galrito e …. já está!
De manhã, bem cedo, seguia-se a visita aos galritos armados na noite anterior para recolher o resultado da intervenção. Nem sempre corria bem, pois o rio tem mais animais que conhecedores da técnica por vezes adiantavam-se ao caçador e tratavam do seu almoço. Refiro-me às cobras de água. Na verdade, quando uma cobra dessas entrava no galrito, para além de ter as mesmas dificuldades em sair que os peixes tinham, caçá-los era fácil. Não era invulgar depararmo-nos com uma cobra perfeitamente inchada fruto da grande quantidade de peixes que engolia. Nessa altura o pescador teve azar e por vezes vingava-se na cobra. Este tipo de pesca não era autorizado mas mesmo assim utilizava-se.
Mais para a frente no ano, em Junho e Julho, e principalmente ao domingo, que era o único dia da semana que se não trabalhava, muitas vezes ia-se à pesca à linha. Este tipo de pesca, para que era necessário ter uma licença, era de longe a mais interessante pelo menos para mim que muitas vezes a pratiquei.
A pesca implicava um conjunto de tarefas prévias que iam desde a preparação das canas, que eram artesanais, do fio, da feitura das bóias com cortiça, da colocação dos anzóis e chumbos no fio.
A Cana de pesca era por norma construída a partir de canas de bambu, pois crescem muito e são delgadas e duras. Limpa dos ramos menores conseguia-se uma cana com alguns metros, e direita. Quanto à boia, que era feita de cortiça, preparava-se a partir de um bocado deste material dando-lhe a forma de um sólido formado pela junção pela base

de dois cones. Depois disso, fazia-se um golpe para inserir no seu interior o fio de pesca que seguidamente se apertava a meio do sólido para não cair e permitir o deslizamento para controlar a profundidade das águas que se utilizavam em cada momento para pescar.
Depois partia-se para o rio.
Já no rio à beira da água ou mesmo dentro dela, era altura de procurar o isco, quase sempre minhocas de dimensão reduzida e outros moluscos existentes no rio, debaixo das pedras nas zonas de águas baixas e por norma protegidos por casulos.
As melhores iscas para a pesca encontram-se nos rios onde se quer pescar, por norma à beira da água, debaixo das pedras. Na maior parte

dos casos basta levantar as pedras e apanhar quer as minhocas quer os casulos, que por norma estão colados às pedras e retirar a minhoca de dentro. Tratando-se de moluscos que vivem nas mesmas águas que os peixes, embora protegidos por casulos ou pedras é natural que os peixes peguem bem.
A pesca à linha, principalmente nos rios mais pequenos como o Noémi, tinha um encanto adicional pois o pescador, colocado na margem, podia ver o anzol e os peixes. Em face da profundidade da água, assim se deslocava a boia mais para baixo ou para cima de forma a que o anzol ficasse em suspensão mais ou menos a meio da altura da água.

Claro que para se pescar é preciso estar quieto, não fazer barulho, nem mexer na folhagem pois se o não fizer os peixes que são extremamente inteligentes, fogem e aí, adeus pesca.
Neste contexto era usual percorrer as margens do rio pelas terras cultivadas em busca dos melhores locais para a pesca e de preferência à sombra. Cada peixe que se pescava era colocado dentro do cesto da pesca, um objecto com um buraco por cima e uma tampa para que os peixes não pudessem fugir e que o pescador transportava a tiracolo.

É que depois de apanhados e durante alguns minutos os peixes ficavam a saltar dentro do cesto.
Durante o dia, quando o calor apertava mais, era hábito comer a merenda que se levava e que, à beira rio, sabia muito melhor do que em casa. A merenda era por norma constituída por pão e chouriço ou queijo. Por vezes também se levavam umas pataniscas de bacalhau quando havia, a que se juntavam umas maçãs São Joanas que começam a estar boas pelo S. João e daí o nome. Depois, era o regresso a casa, com mais ou menos peixes em face da habilidade do artista e da vontade dos peixes. Mas por norma sempre se pescava alguma coisa.
Em casa, era altura de arranjar os peixes pescados, retirando-lhe as vísceras, temperando-os com sal e uns tempos depois fritá-los. Como sabiam bem estes peixes!…
Na parte final do verão, em Julho e Agosto ainda era usada outra forma de apanhar peixes, principalmente quando o Rio deixava de correr mas mantinha grandes charcas de água, encostadas aos muros das veigas. Usavam-se então as raízes de uma planta a que se chamava budle (embude) que depois de moído originava uma pasta que, após fermentação durante algum tempo era utilizada para apanhar os peixes nas charcas.

Tratava-se de uma prática que não era autorizada mas nem por isso deixava de se usar.
Espalhado com as mãos dentro da água nas zonas da charca perto dos buracos que por norma existiam entre as pedras das paredes das veigas, esperava-se um pouco de tempo e era ver os peixes a sair dos buracos e nalguns casos fazerem tangentes na superfície da água e um ou outro até saltavam para a areia. Os restantes podiam facilmente ser apanhados à mão pois subiam à superfície.
Aquela planta, principalmente as raízes, tem propriedades tóxicas que quando colocada na água, provoca nos peixes uma sensação euforia descontrolada que os leva a ter aquele comportamento. Embora tóxico este produto que era totalmente natural, desaparecia da água, onde apenas se mantinha enquanto em suspensão. Os seus efeitos desapareciam logo a seguir.
Por isso, apesar de não se tratar duma prática legalmente permitida ela usava-se em muitas das localidades da beira interior e permitia pescar por vezes vários quilos de peixe, para consumo próprio.
Estas práticas, minoravam as necessidades das pessoas e, em caso algum dizimavam a fauna piscícola dos rios que com a regularidade com que ocorrem as estações do ano se renovavam sem sobressaltos.
Já o mesmo se não pode dizer dos problemas que resultam para a fauna e flora dos rios quando, como tem acontecido no Noémi, são despejados nele detritos de unidades industriais na zona da guarda que têm provocado a sua destruição.
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«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
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