A saudade está cheia de sentimentos e de lembranças da vida, é como a nossa sombra jamais nos deixa. Sinto uma eterna saudade desse «Paraíso» já perdido no tempo, que foi o viver inocente e alegre, ignorando o outro lado da História, neste Concelho Rural.
Dia de festa, alvorada pela manhã, música, repicar de sinos, procissão, flores, santinhos em andores, um encerro, uma capeia, um tocador, um baile no terreiro, vinho, doces, alegria. Ao chegar a noite, a despedida, tudo se tingia de negro até ao nascer do Sol de um novo dia.
A primeira luz do novo dia viu o homem já a trabalhar na terra, terra amada, mãe e madrasta, transformada em lugar edénico devido a um esforço sábio e levado até ao esgotamento físico, mas também psíquico, porque a religião, o Cristianismo, incutia-lhe a diário a «saudade», saudade do infinito, saudade de Deus. Ele, homem, um simples viajante nesta Terra e nesta vida. Esta saudade sempre lha rodearam de medos, sacrifícios e culpas, transformando-o num réprobo, a necessidade moral do sofrimento, o Mundo como um «vale de lágrimas», a tese clássica católica.
Até que um «Pecado Original» o expulsou do seu «Paraíso», transformou-se então este Homem Rural numa Diáspora, num habitante de Novos Mundos, ajudou a enriquecê-los, enriqueceu, abençoou a expulsão, viu-a como uma libertação, mas nunca se desligou dos valores tradicionais recebidos, a saudade voltou a inquietá-lo, transformou-se esta em desejo de regresso e na dor da lembrança. De onde veio esse «Pecado Original?» de Salazar e do Cardeal Cerejeira, deles nasceu o Providencialismo do Estado Novo, ou seja, tudo era atribuído à Providência Divina, a pobreza, a fome, o medo de uma modernidade equilibrada, o analfabetismo, receio do saber das tradições, o fugir do avanço da História, a falta de Democracia, de liberdade e de Justiça, «Deus assim o quer!», estava assim fundamentada religiosamente a prática política do Estado Novo.
Por mais sofisticada que seja a tecnologia de um relógio, podemos para os seus ponteiros, mas o avançar da História nunca o podemos parar. Uma revolução instalou a Democracia e regenerou Portugal, foram duas décadas de progresso, homens e mulheres eleitos pelo Povo do Concelho, os governos centrais e a União Europeia, transformaram-no por completo. Até que o presente domínio geo-estratégico de uma potência europeia, está a causar um forte mal – estar económico, político, social e cultural.
Neste impasse em que nos encontramos, de ingovernabilidade do Estado e de uma ameaça de hegemonia por parte de uma ideologia político/económica, uma ideologia esclavagista, está a notar-se o passado do Concelho a ressurgir no seu futuro, não já com o Homem Rural, mas com o Homem Mercado, muito mais débil, oprimido, alienado por um falso modernismo e portador de um novo analfabetismo, o analfabetismo funcional (saber ler e escrever, mas não compreender um texto, por mais fácil que seja), já só lhe resta emigrar novamente.
Saudade, companheira fiel de um Povo que sempre acompanhas. Acompanhas os que partem, choras com eles, ficas com os que ficam, e choras com eles.
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«Passeio pelo Côa», opinião de António Emídio
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2008)
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É isso mesmo, caro António!