:: :: RUIVÓS :: :: Os manuscritos depositados na Torre do Tombo, em Lisboa, são a resposta a um inquérito censório a todo o reino assinado pelo Marquês de Pombal três anos após o terramoto de 1755. O Capeia Arraiana está a publicar as respostas dos párocos das paróquias das 40 freguesias do concelho do Sabugal agora que, pelo menos 10 das retratadas, vão desaparecer para sempre por obra e graça dos senhores mandantes da troika europeia.
:: :: RUIVÓS :: :: O Cura José Gaspar que ao final dá um rasgado elogio à ideia dos Interrogatórios, não se importou com a ordem formal e o número do questionário. Numa exposição livre, fala dos vários «altares antigos» que existem na freguesia, descreve-os, e localiza-os. Muito interessante esta informação para os arqueólogos. Chama também à atenção para «uma pintura excelente que parece ser de Vieira Lusitano e se encontra na Ermida da Santíssima Trindade.
Comarca de Castelo Branco, Termo do Sabugal, Bispado de Lamego.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Dicionário Geográfico, vol. 32, doc. 117, p. 1071.
Património arquivista da Paróquia de Ruivós (Sabugal) entre 1649 e 1911... (Aqui.)
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«Notícias do Lugar de Ruyvoz, sito em Ribacoa
Ruyvoz está em Ribacoa, na Provincia da Beira, hé Termo da Villa de Sabugal, e Comarca da de Castello Branco.
Tem sua Igreja Parochial, que está dentro do povo, cujo orago hé São João Baptista, e cuja imagem fica com a de Santo António que está no altar mor, em que se guarda o Santíssimo Sacramento, que tem Confraria com a Bulia Pontificia. Tem mais dois colatrais: hum da parte do Evangelho, em que está a imagem de Nossa Senhora do Rozário, que tambem tem huma Confraria com Bulia Pontificia. Outro da parte da Epistola, em que há huma imagem da Santissima Trindade. Tem huma só nave e hé pequena.
O Lugar hé livre, e do Patrimonio Real, sem Donatario. Tem cincoenta vezinhos, e cento e cincoenta pessoas. Está na descida de hum pequeno monte, para a parte do Nascente, do alto do qual para o Poente, em distancia de cinco legoas, se vê a cidade da Guarda, pello contraforte da Serra da Estrella, chamada vulgarmente o monte Herminio, donde foi oriundo o afamado Veriato.
Tem Cura que aprezenta o Vigario da Igreja de Nossa Senhora da Concepção do Lugar da Nave do Sabugal, ao qual pagão annualmente os moradores sessenta e oito alqueires de trigo, o mesmo numero de centeyo, e seis centos reis; e por tença da Comenda chamada de Santa Maria da Nave e Alfayates (a qual hé dita Real), se lhe paga hum almude de vinho.
Tem tres Ermidas que estão fora do povo, e todas pertencem ao Cura. Huma á parte do Norte, da Santissima Trindade, com hum só altar, em que está a sua imagem, de pintura excelente, que parece ser obra de Vieyra Luzitano. Outra ao Nascente, de Nossa Senhora da Graça, com hum só altar, em que está a imagem de Nossa Senhora, e á qual costumão ir em Romagem muitas pessoas das vezinhanças. E ambas são pequenas. A terceyra do Apostolo São Paulo, á mesma parte, mas mais adiante algum tanto, a qual hé grande, porque tem duas naves, porem está mal feita, excepto a capela mor, que hé de cantaria, e no altar da mesma está a imagem do Santo Apostolo, seu Patrono, que me parece responder bem áquella forma que dizem teve nesta vida. Á mesma costumão ir em Romagem muitas pessoas, principalmente no dia da festa da sua Converção, a vinte e cinco de Janeiro, em que tambem, naquelle sitio, se faz huma feira que hé livre.
Tem hum alpendre, da parte do meio dia, com onze colunas de pedra, que mandou fazer hum Ermitão da mesma Ermida, o qual se chamava Manoel Martins, e era natural deste Lugar, e foy de vida agitada, segundo me afirmam pessoas fidedignas, que o conheceram. Depois de ter sido pastor de porcos na Provincia do Alentejo trinta ou quarenta annos, veio servir esta Ermida vinte e cinco, pouco mais ou menos, fazendo sempre com boa opinião e serviço de Deos, ouvindo missas, encomendando de noite as almas do Purgatorio, athé que veyo adoecer, estando perto de dois annos de cama, com muita paciencia e com muitas dores muitas vezes. Bem havia de morrer dia do Senhor São Paulo, que assim lhe chamava sempre. E assim aconteceu, porque a vinte e cinco de Janeiro de mil sete centos e onze, e ao tempo que na mesma Ermida se estava cantando a Missa da festa do mesmo Apostolo, deu, na sua cama, a alma a Deos. Foy sepultado na Igreja Parochial deste Lugar.
Adiante do mesmo alpendre cincoenta passos, está huma Fonte que julgo já serviria aos moradores de huma Povoação, que aly existia, da mesma Cape lia para o Norte. Teria trezentos vezinhos. Não se sabe que gente a habitou. Os frutos da terra que os moradores costumão colher são trigo, e centeyo em muita abundancia, regando a pouca terra do campo, porque os lemites não tem mais de meya legoa, de Poente a Nascente, e outra meya do Norte ao Sul. Huma dellas he, em partes preta, em partes de barro vermelho. Tambem se colhe vinho, qarbanços, feyjoes e linho. E se criam gados miudos e grossos.
Tem dois Juizes pedaneos, sugeytos aos ordinarios da Villa do Sabugal.
Dista da cidade capital da Diocese, que hé Lamego, vinte legoas. De Lisboa, capital do Reyno cincoenta.
Tem hum Reduto com quatro baluartes e huma atalaya, que circuita a Igreja Parochial. Começa a atalaya no fim do Lugar, á parte do Nascente, mas estão arruinados, como quaze todas as Fortalezas, desta Provincia, por todas estas partes.
O Terramoto do primeiro de Novembro, não cauzou aqui ruina alguma, ainda que o seu zunido e movimento me encheu de pavor.
Noticias da antiguidade dignas de memoria:
Altares – Posto que nos prezentes tempos se louva e pode louvar a Deos Nosso Senhor, na freguezia e seus lemites, em huma Igreja Parochial e nas Ermidas como fica dito, contudo parece-nos, salva fide,que nos antiquissimos annos da Encarnação do Divino Verbo, já tambem os indigenas e estrangeiros lhe tributavão humilde culto, offerecendo-Ihe sacrificios e holocaustos pacificos, segundo o previsto no Exodo Capo 20, Deutero Capo 27, Josué Capo 8, não só em quatro mas em cinco Altares, que ainda neste lemite anuncião de prezente quaze perfeytos o mesmo culto. Assim, está hum junto á Villa da Cerdeyra (?), no Bispado da Guarda, o qual está em campo razo, e com huma pedra de meza em cima, a qual tem dezassete passos em circuito, e hé quaze redonda, grossa e tosca, estando as pedras que a sustentão levantadas em forma de circo, e arrimadas humas ás outras, ficando no meyo dellas, e debaixo da pedra da meza, hum vam, a meneyra de huma fornalha de cozer pão.
Sitio em que estão no lemite – Estão estes Altares, dois junto á referida Ermida da Santissima Trindade, hum da parte de tras, em distancia de oito passos, e outro para diante, á parte do meyo dia, e na distancia de cem. O terceyro está na demarcação dos lemites, onde chamão Valuras. O quarto está em distancia da supra dita Ermida de São Paulo, de quem ally passa para o Norte. E o quinto está mais adiante cem passos, dentro de hum predio chamado o Prado da Igreja.
Pedras que se desenterrarão – E desejando eu investigar com abundancia a cauza da fundadura de taes Altares passados, somente mandei cavar dentro e fora deste último, e, da parte de fora, aparecerão altamente enterradas e arrimadas ás pedras levantadas (em que estava a pedra da meza, e ainda estavão lançadas em terra, grossas, em circuito), huma pedra de pederneyra do cumprimento de huma polegada, e de feytio de huma costella de carneyro, e cinco de affiar, quaze da cor azul claro e quaze do comprimento de hum palmo, e todas as cinco do mesmo feytio, que são bem semelhantes ao ferro de huma junteyra de carpinteyro, e porque de huma ponta são exercidas de quatro quinas, e da outra são lanças e chatas, e neste tem huma beira semilhante ao de hum ponteyro ou de hum malhe. Todas estas pessas guardo em minha caza, para prova e memoria.
Descripção e fundura dos Altares – Todos estes Altares estão postos em campo razo, e com muita formalidade, que consta cada hum de cinco ou sette pedras, de doze ou quatorze palmos ou mais de cumprimento; as quaes estão levantadas na terra em circulo, e arrimadas humas ás outras, e sobre ellas assenta a pedra da meza, ficando hum vão debaixo redondo, como fica dito, ocupando cada hum dos Altares quinze ou dezassete passos em circuito e não menos, confirma a medida que a todos tenho tomado.
Prova de serem feytos á immitação daquelles que Deos mandou fazer – Prova-se que estes Altares forão feytos a immitação daquelles que Deos mandou fazer: Primeyro, porque todos estão em campo razo, sem degrao algum; segundo, porque todas as pedras delles são uniformes, toscas, completas, sem que nellas se descubra o mais minimo signal de que algum instrumento de ferro as tocasse, o que parece conforme com o preceyto Capo 20 do Exodo acima referido; terceyro, porque no referido Capo 27 do Deutero, se mandou o mesmo, precedendo duas condiçoins: primeyra, que levantassem humas grandes pedras: «Eriges ingentes Lapides». Segunda, que as alinhassem ou acopilhassem com huma pedra: «Et calle levigebis eas» – Levigebis eas cale, tomando-se aqui o nome cal x pro Lapide.
E achando eu huma pedra de pederneyra e cinco do feytio de junteira enterradas ao pé do Altar acima, já fica claro que estas Altares forão feytos a imitação daquelles que Deos mandou fazer, e que estas pedras se unirão para assentar as do Altar. E se algum merito ficar que nas taes pedras de meza não se acha escrypta a Ley, que nos referidos Capo 21 do Deutero, e no de Jesue se mandava o primeiro? Respondo: Que os caracteres só podião formar-se com tinta sobre a meza do Altar, ou sobre outra couza que da mesma se parecesse, porque de outra maneyra não se podião entalhar as pedras por lhes estar vedado o uso, de ferro em taes pedras; e sendo assim como claramente se prova fica sem fundamento a instancia.
Sepulturas antigas abertas e memorias – Tambem há em diversas partes deste lemite sepulturas antigas abertas em memorial da mesma medida das ordinarias destes tempos. Não hé memoria de alguem deste lemite.
Louvor dos Interrogatórios, Juizo delles – Não tenho mais que aos Interrogatórios, tão curiozos, necessarios, e doutissimos ideados, resposta; e me parece, que não podia descobrir-se Ideia mais singular do que esta, pois por meyo della se poderá compor hum Mappa ou Livro: In quibus totum constatur necessarium para o regulado Governo Espiritual e Corporal, Político e Militar desta Monarchia Luzitana, a cujo Altíssimo e Poderosissimo, Fidelíssimo, e Sereníssimo Monarcha, concedeo Deos N. Snr. annos de Poder, como eu e todos os mais vassalos humildes lhes pedimos.
Ruyvos, 20 de Mayo de 1758.
Joseph Gaspar, Cura de Ruyvós
Ver perguntas do inquérito… (Aqui.)
Fonte: Alfaiates-Na órbita da Sacaparte. Autores: Pe. Francisco Vaz e Pe. António Ambrósio.
(Continua.)
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«Censos do Marquês de Pombal em 1758», por José Carlos Lages
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