Em 1807, ano da primeira invasão francesa de Portugal, vivem-se na Europa tempos conturbados, com os exércitos napoleónicos dominando o continente. Só a Inglaterra bate o pé, controlando os mares e mantendo-se fora da dominação e da influência de França.
No trono português não está um rei, mas um príncipe regente. D. João (mais tarde rei D. João VI), segundo filho de D. Maria I, a «rainha louca», toma conta do País e do Império de além-mar em nome da mãe. Não foi educado para ser rei. O irmão mais velho, José, morrera com varíola aos 27 anos, em 1788. Talvez por falta de preparo para a política – apenas ministrado aos príncipes herdeiros – João é um governante titubeante, sem iniciativa nem capacidade de decisão, incapaz de controlar os negócios públicos, vacilante na negociação diplomática, correndo sempre atrás dos acontecimentos.
Para agravar a situação, o príncipe regente é um homem solitário, tímido e muito supersticioso. Não conta com o apoio da mulher, Carlota Joaquina, de quem vive separado, encontrando-se apenas para assistirem às missas dominicais e às cerimónias oficiais em que é forçoso aparecerem juntos. A princesa, uma espanhola severa e muito vigorosa, vive com a rainha tonta no Palácio de Queluz, enquanto D. João se instalou no Paço Real do Convento de Mafra, rodeado de conselheiros e de monges.
A corte portuguesa é frequentada por figuras influentes da sociedade, sobretudo fidalgos carregados de títulos, bispos e embaixadores. Alguns são pessoas galantes, como o marquês de Ponte de Lima, o marquês de Alorna e o conde do Sabugal, este último um homem de cultura, muito influente. Outros são porém figuras grotescas, que se arrastam nos salões, cortejando as damas e influenciando o príncipe.
O mais dos portugueses revolve a terra, nas courelas de sua propriedade ou na imensidão das herdades senhoriais, pouco mais tirando da lavoura que o sustento da família. Mas também há os que vivem dos ofícios, normalmente instalados em vilas e cidades, conhecendo uma melhor existência, sem tantas fadigas, mas sujeitos às mesmas privações. Escasseia o pão e mal se come carne ou peixe. Nas cidades do litoral, com Lisboa na frente, há muito quem viva do comércio.
O resto dos portugueses são monges e freiras das mais diferentes ordens religiosas. Há-os aos milhares, refundidos em mosteiros e em conventos, rezando e penitenciando a toda a hora.
A economia portuguesa sustenta-se no comércio colonial. A frota mercante é grande e poderosa, só ficando atrás das de Inglaterra, França, Espanha e Holanda. As carreiras do Brasil e da India fazem-se com recurso a navios de grande porte que descarregam no porto de Lisboa, um dos mais movimentados da Europa.
O conflito diplomático permanente entre França e Inglaterra e a posição titubeante da nossa diplomacia, manifestamente subserviente a essas duas potências, levara porém ao apresamento de muitos navios e ao decréscimo da actividade comercial, o que também se deve ao demorado bloqueio dos portos do continente aos navios que tivessem por origem ou destino a Inglaterra.
As importações vêm sobretudo do Brasil, com realce para o açúcar, café, tabaco e algodão. Com origem na Europa importa-se sobretudo de Inglaterra, onde avultam os tecidos, trigo, ferro e aço. A Rússia fornece trigo e linho. Da longínqua Índia e de Macau, continuam a chegar as especiarias, louças finas e chás.
Quanto a exportações, elas têm por principal destino alguns países da Europa, com destaque para a Inglaterra, para onde segue sobretudo vinho, sal e frutos, para além das mercadorias chegadas do Brasil e da Ásia. Outro destino importante das exportações é a colónia do Brasil, para onde vão vinhos, bacalhau, tecidos e especiarias. O comércio com o Brasil tem uma importância fulcral na economia.
O mercado negreiro está também em alta, com muitos navios portugueses a transportarem escravos da costa africana para o Brasil, regressando depois a Lisboa carregados com mercadorias.
Com a economia em suspenso devido à disputa permanente entre Inglaterra e França, Portugal tenta soluções de compromisso entre as duas potências, com a diplomacia empenhada em agradar a ambos os lados. Perante as ameaças de Napoleão, o príncipe manda arrestar o património dos ingleses, mas mantém-lhes os portos abertos. O embaixador inglês, em protesto, abandona as instalações da embaixada e sedeia os seus serviços num navio fundeado no Tejo.
A Napoleão nada o acalma e exige acção enérgica contra os ingleses. Portugal tenta ganhar tempo com cartas sucessivas e o envio de emissários. Mas Napoleão nada mais quer escutar e muito menos negociar. Concita Godoy, o valido espanhol, fiel amigo de França, a negociar um acordo que ponha fim às hesitações da corte portuguesa. Assim é assinado a 27 de Outubro de 1807 o tratado de Fontaineblau, pelo qual se divide o território português entre ambas as partes e se definem os termos da invasão do país.
Poucos dias depois o exército de Junot sai de Bayonne, atravessa a Espanha e entra em Portugal de conluio com as tropas espanholas.
Assim se inicia a primeira das invasões francesas de Portugal.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
Se os políticos desta monarquia de 38 anos tivessem alguma cultura e alguma memória tínhamos olhado e seguido mais os ingleses do que os napoleões e os hitleres.
Ou pelo menos ficar neutros.