O dia 15 de Novembro é dia maior das festividades da república onde passei grande parte dos meus tempos de Coimbra. «A malta está em festa, com aprovação dos Deuses do Olimpo, celebra-se o XLV Centenário da Republica.»
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Quando uma ilha se afunda
deixa na linha do horizonte a dúvida
e espalha círculos vazios no mar
– que são perguntas diluídas, imagens
de nuvens, sintaxe de silêncio,
deuses perdidos, memórias do esquecimento.
Vasco Pereira da Costa
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O convite que me foi endereçado reza ainda, «não faltarão as mais exóticas iguarias regadas pelo divino néctar», o que significa que as honras a Baco vão ser celebradas com um opíparo e etílico jantar.
O centenário da «Republica» é a oportunidade para reencontrar velhos amigos com os quais partilhei parte da minha juventude numa aprendizagem de valores tais como a solidariedade, liberdade, responsabilidade, porque como dizia um colega republico «o colectivo está em primeiro lugar». As repúblicas em Coimbra são comunidades onde a democracia funciona na sua plenitude, num permanente respeito pelo outro, ou talvez como canta Bernard Lavilliers «sou anarquista uma vez que concebo anarquia como sendo a ordem, sem o poder», porque o que falta à nossa época é a gratuitidade, ou seja, fazer algo sem contrapartidas.
Como vai longe o tempo, do caloiro que desembarcou na Rua da Matemática na alta de Coimbra, onde a cidade fervilhava de ideias e projectos que nunca chegámos a concretizar, num idealismo e irreverência permanente, nos cafés Kalifa e Museu. Para o proprietário do Museu, que apenas via cifrões, desenhámos esta quadra que cantávamos, com prazer acrescido quando este estava presente:
Oh Sé Nova, Oh Sé Nova
Aos teus pés está o Museu
Tem lá um bruto dentro
Que parece um camafeu.
De Coimbra guardo ainda a saudade de alguns amigos, sendo especial a amizade que me ligou ao Zeca Afonso e à sua companheira Zélia, já no final da vida do primeiro. Admirava o seu espírito crítico, o seu inconformismo permanente e até doíam as críticas corrosivas ao então desgoverno socialista. Que diria o amigo Zeca deste socialismo que nos governa? Será que não criaria um novo hino à liberdade, à semelhança do Grândola Vila Morena?
Hoje não vou poder estar presente no repasto com pena minha até porque como diz o convite, seguir-se-à como habitualmente um sarau com «triatro», onde não faltarão as intervenções eloquentes do Vasco Pereira da Costa e do Carlos Alberto Moniz.
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>> Para Ler…
«Amanhece a cidade», de Vasco Pereira da Costa.
>> Para Ouvir…
«Toda a obra de José Afonso», com um fraquinho pelo Vejam Bem e Cantigas do Maio.
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«Páginas Interiores», opinião de José Robalo
é pá, há meses passei por coimbra e fui ver as repúblicas. amigos que andaram nas repúblicas nos anos 70 falaram-me da suas actividades políticas e culturais, da fraternidade, das portas sempre abertas, das festas e da agitação, dos convites para entrar àqueles transeuntes mais tímidos que paravam para ver.
pois não encontrei nada disso. apenas as placas sobre as portas, lá dentro um silencio aterrador. salvo numa delas no início da rua, ao pé de um café minúsculo. entrei fiquei abismado com a história contada pelas paredes. pinturas e cartazes lindíssimos. estavam a ensaiar música numa das salas. enquanto outros limpavam a casa, que se encontrava um pouco suja. “houve festa ontem, e anteontem e anteanteontem…”, disseram. saí e no café ao pé perguntei se nas repúblicas ao lado havia gente. porque não se via ninguém? qual a razão para não haver uma única pessoa que entrasse ou saísse daquelas portas e janelas sempre fechadas? uma senhora sentada numa das mesas respondeu. as repúblicas já não são o que eram dantes. que até já não se dão umas com as outras.
Como não estou autorizado a fazer publicidade, não te posso revelar o nome da república, mas posso dizer que somos das republicas de Coimbra mais medalhadas, com o Grande Prémio do abate aos garrafões obtido em 1983 e o grande prémio de assistência feminina em 1984, entre outros. Posso ainda revelar-te que somos vizinhos do Palácio da Loucura e do Kimbo dos Sobas, com quem mantinhamos excelentes relações diplomáticas. O nosso emblema é um cachalote, com a torre da universidade – a cabra.
um abraço
Qual é a República?